Para dar quecas inconsequentes
Prefiro ter as mãos dormentes
Já te aviso põe-te na fila
É tão grande que chega a Marvila
Se contigo não posso contar
Nem sequer para pagar o jantar
És uma carta fora do baralho
Não te dês a tanto trabalho
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
Provérbio provado rimado - CXCV
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CXCIV
É moda ter pêlos na cara
Quem não usa está ultrapassado
Homem que se quer engajado
Tem-na basta e não se mascara
Disfarça uma boca caída
Se também houver bigodaça
Recurvada e bem modernaça
Desde que sem restos de comida
Quanto menos usar a gilette
Mais agrada ao mulherio
Além disso protege do frio
A dignidade não compromete
Deslocar-se à barbearia
É hábito do homem moderno
Barba comprida neste inverno
É bem cara filosofia
A somar à típica rebarba
Tão comum no homem vaidoso
Penteá-la sem parecer chungoso
É de dar água pela barba
Quem não usa está ultrapassado
Homem que se quer engajado
Tem-na basta e não se mascara
Disfarça uma boca caída
Se também houver bigodaça
Recurvada e bem modernaça
Desde que sem restos de comida
Quanto menos usar a gilette
Mais agrada ao mulherio
Além disso protege do frio
A dignidade não compromete
Deslocar-se à barbearia
É hábito do homem moderno
Barba comprida neste inverno
É bem cara filosofia
A somar à típica rebarba
Tão comum no homem vaidoso
Penteá-la sem parecer chungoso
É de dar água pela barba
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado num verso branco - VI
Morrer é um esforço tão penoso
Uma vida inteira desperdiçada
Depois de nós só ficam duas datas no calendário
O dia em completaríamos mais um ano
E somos recordados por pormenores insignificantes
Talvez o modo como preferíamos o bife mal passado
Com os cotovelos em cima da mesa
Rindo nos jantares pouco cerimoniosos
Quando tocar aquela música que nos fazia cantar
Os vindouros lembrar-nos-ão com um sorriso saudoso
Ah como esta canção lhe emprestava alegria
Na tardinha em que se soma mais um crepúsculo
À data da nossa morte sempre demasiado precoce
Seremos lastimados pelo sofrimento
Com que atacámos atalhos sem saber evitar trabalhos
Julgando no entanto cruzar os caminhos correctos
Para que a nossa ambição ou ingenuidade nos atirou
E quando tocar aquela música que nos fazia chorar
Os vindouros lembrar-nos-ão com um sorriso saudoso
Ah como esta canção lhe roubava alegria
Deitarão então duas ou três lágrimas e é o bastante
Que secarão rápido pois viver urge
Atirarão uma moeda pouco valiosa ao ar
Para escolher os atalhos laboriosos pelos quais enveredar
Na senda do esquecimento
Uma vida inteira desperdiçada
Depois de nós só ficam duas datas no calendário
O dia em completaríamos mais um ano
E somos recordados por pormenores insignificantes
Talvez o modo como preferíamos o bife mal passado
Com os cotovelos em cima da mesa
Rindo nos jantares pouco cerimoniosos
Quando tocar aquela música que nos fazia cantar
Os vindouros lembrar-nos-ão com um sorriso saudoso
Ah como esta canção lhe emprestava alegria
Na tardinha em que se soma mais um crepúsculo
À data da nossa morte sempre demasiado precoce
Seremos lastimados pelo sofrimento
Com que atacámos atalhos sem saber evitar trabalhos
Julgando no entanto cruzar os caminhos correctos
Para que a nossa ambição ou ingenuidade nos atirou
E quando tocar aquela música que nos fazia chorar
Os vindouros lembrar-nos-ão com um sorriso saudoso
Ah como esta canção lhe roubava alegria
Deitarão então duas ou três lágrimas e é o bastante
Que secarão rápido pois viver urge
Atirarão uma moeda pouco valiosa ao ar
Para escolher os atalhos laboriosos pelos quais enveredar
Na senda do esquecimento
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CXCIII
O melhor remédio é rir
E nem precisa de receita
Uma vez a asneira feita
Não há por onde fugir
É soltar uma boa gargalhada
Daquelas de tirar o juízo
Que muito riso pouco siso
E a loucura não custa nada
E nem precisa de receita
Uma vez a asneira feita
Não há por onde fugir
É soltar uma boa gargalhada
Daquelas de tirar o juízo
Que muito riso pouco siso
E a loucura não custa nada
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CXCII
És o amor da minha vida
Dê lá por onde der
E eu sou a tua querida
Venha quem muito vier
Não vale a pena enganar
Nossos sofridos corações
Que tantas voltas hão-de dar
Até encontrar mil razões
De saber com toda a certeza
Somos um do outro afinal
Vamos sentar-nos à mesa
E agir como qualquer casal
Não é preciso um papel assinar
Pois quem procura casamento
Se no fim se quiser largar
Só procura arrependimento
Dê lá por onde der
E eu sou a tua querida
Venha quem muito vier
Não vale a pena enganar
Nossos sofridos corações
Que tantas voltas hão-de dar
Até encontrar mil razões
De saber com toda a certeza
Somos um do outro afinal
Vamos sentar-nos à mesa
E agir como qualquer casal
Não é preciso um papel assinar
Pois quem procura casamento
Se no fim se quiser largar
Só procura arrependimento
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CXCI
Se a conversa é quente e tonta
Há mulheres tão escandalizadas
Que quase parece uma afronta
E que não existem provas dadas
Ou cuidarão que foi a cegonha
Que as trouxe voando no bico
Mas para quê tanta vergonha
Surpreendida sou eu que fico
Será que quando vão para a cama
Não mexem nem uma perna
Enquanto o homem que as ama
Imagina que a menina hiberna
Há que ser um pouco mais soltas
Fazer um ou outro gesto
E tentar ser mais desenvoltas
Ao dar o corpo ao manifesto
Há mulheres tão escandalizadas
Que quase parece uma afronta
E que não existem provas dadas
Ou cuidarão que foi a cegonha
Que as trouxe voando no bico
Mas para quê tanta vergonha
Surpreendida sou eu que fico
Será que quando vão para a cama
Não mexem nem uma perna
Enquanto o homem que as ama
Imagina que a menina hiberna
Há que ser um pouco mais soltas
Fazer um ou outro gesto
E tentar ser mais desenvoltas
Ao dar o corpo ao manifesto
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CXC
O primeiro nome era um
Apresentou-se com o segundo
E não teve pudor nenhum
De tecer elogio profundo
Atirou-lhe tu és a mais bela
Mulher à face do mundo
Ela ruborizou-se singela
Com esse sentimento fecundo
Mas a mãe logo se acercou
A saber donde era oriundo
Tal fulano como se não fosse
Um amigo do noivo Raimundo
Pôs então os pontos nos is
Deixou-o todo corcundo
Mais nada a filha ouvir quis
Fugiu como se ele um imundo
Foi assim que o nosso Miguel
Soltou um suspiro tão fundo
E com o coração num tropel
Declarou o amor moribundo
Apresentou-se com o segundo
E não teve pudor nenhum
De tecer elogio profundo
Atirou-lhe tu és a mais bela
Mulher à face do mundo
Ela ruborizou-se singela
Com esse sentimento fecundo
Mas a mãe logo se acercou
A saber donde era oriundo
Tal fulano como se não fosse
Um amigo do noivo Raimundo
Pôs então os pontos nos is
Deixou-o todo corcundo
Mais nada a filha ouvir quis
Fugiu como se ele um imundo
Foi assim que o nosso Miguel
Soltou um suspiro tão fundo
E com o coração num tropel
Declarou o amor moribundo
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXXIX
Aqui há por vezes asneiras
Que chocam quem é susceptível
Mas calma são só brincadeiras
Só ofendem a gente sensível
Que isto de falar português
É chamar os bois pelos nomes
E só os reis na sua vez
Tiveram asseados cognomes
Que chocam quem é susceptível
Mas calma são só brincadeiras
Só ofendem a gente sensível
Que isto de falar português
É chamar os bois pelos nomes
E só os reis na sua vez
Tiveram asseados cognomes
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXXVIII
À meia noite quebrou-se o encanto
De tão bela Bela adormecida
Que o sapato largou na corrida
Não sei qual é o vosso espanto
Mas talvez fosse a Cinderela
Que afinal comeu a maçã
Com veneno da bruxa vilã
Que era a madrasta dela
Quando chegaram os anões
Que vinham cantando baixinho
Encontraram o Capuchinho
Ajeitando o lobo nos colchões
E então a Pequena sereia
Numa rocha em Copenhaga
Toda essa ilusão apaga
Pois no fundo é muito feia
Quando estas histórias ouves
Livra-te de fazeres confusão
E trocares cada ocasião
Ou temos a burra nas couves
De tão bela Bela adormecida
Que o sapato largou na corrida
Não sei qual é o vosso espanto
Mas talvez fosse a Cinderela
Que afinal comeu a maçã
Com veneno da bruxa vilã
Que era a madrasta dela
Quando chegaram os anões
Que vinham cantando baixinho
Encontraram o Capuchinho
Ajeitando o lobo nos colchões
E então a Pequena sereia
Numa rocha em Copenhaga
Toda essa ilusão apaga
Pois no fundo é muito feia
Quando estas histórias ouves
Livra-te de fazeres confusão
E trocares cada ocasião
Ou temos a burra nas couves
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXXVII
Uma vez conheci um Simão
Era tão carente de atenção
Parecia ser um bom amigo
E buscar no meu ombro abrigo
História de vida complicada
E dela não escondia nada
Cedo ficou orfão de pai
Perdeu-o chorando num ai
A partir daí não mais soube
Gostar da sorte que lhe coube
Aceitava lesto uma relação
Já sabendo não lhe dar vazão
Mas fugiu assim de repente
Sem sequer ter ficado contente
Estimei-o e foi um ingrato
A montanha pariu um rato
Era tão carente de atenção
Parecia ser um bom amigo
E buscar no meu ombro abrigo
História de vida complicada
E dela não escondia nada
Cedo ficou orfão de pai
Perdeu-o chorando num ai
A partir daí não mais soube
Gostar da sorte que lhe coube
Aceitava lesto uma relação
Já sabendo não lhe dar vazão
Mas fugiu assim de repente
Sem sequer ter ficado contente
Estimei-o e foi um ingrato
A montanha pariu um rato
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXXVI
Se me visto com roupa mostarda
Quase pareço um cachorro
E já a baguete me aguarda
Grito bem alto socorro
Quando escolho o azul
A nada original ganga
Apetece-me fugir para sul
E usar somente uma tanga
Mas se opto pelo preto
Não é de luto sinal
Logo envergo um amuleto
Que lhe dê alegria no final
Quando uso o vermelho
A que não chamo encarnado
Aceito à mesma conselho
De um transeunte corado
Não ponho roxo nem rosa
Não têm nenhuma graça
São uma mistura manhosa
Nem servem para levar à praça
Conforme a disposição
Não faltam cores a rodos
É a que vier à mão
Que o sol nasce para todos
Sei que o provérbio em questão
Trata mas é da justiça
Que querem foi imaginação
Ou talvez bastante preguiça
Quase pareço um cachorro
E já a baguete me aguarda
Grito bem alto socorro
Quando escolho o azul
A nada original ganga
Apetece-me fugir para sul
E usar somente uma tanga
Mas se opto pelo preto
Não é de luto sinal
Logo envergo um amuleto
Que lhe dê alegria no final
Quando uso o vermelho
A que não chamo encarnado
Aceito à mesma conselho
De um transeunte corado
Não ponho roxo nem rosa
Não têm nenhuma graça
São uma mistura manhosa
Nem servem para levar à praça
Conforme a disposição
Não faltam cores a rodos
É a que vier à mão
Que o sol nasce para todos
Sei que o provérbio em questão
Trata mas é da justiça
Que querem foi imaginação
Ou talvez bastante preguiça
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio asinino - II
Lá mais para a frente haveria de vir uma moda muito pós-revolucionária de pôr nomes mais curtos e simples às crianças. Mas naquela época, mal os bebés abriam a goela com o primeiro choro, logo lhes pespegavam um nome clássico e no mínimo trissilábico, que depois se tornava ainda maior com o respectivo formato diminutivo.
Era esse o caso do Armandinho. Haveria de ser o Armandinho até à puberdade, quando se começou a dar ares de Armando por ter precoces os pêlos do buço e a voz atestada de testosterona. Quando por ele chamavam Ó Armando!, logo vinha o ditote: umas vezes a pé, outras andando. O jovem exasperava-se, mas bendizia não lhe terem posto Alfredo como ao melhor amigo, que inevitavelmente tinha um cú de meter medo e, como era muito bem disposto, nunca se zangava com as piadas sobre o seu traseiro, antes baixava as calças expondo-o ao vento e rindo-se muito, desde que não houvesse nenhuma senhora presente.
Os dois amigos eram inseparáveis e, uma vez terminada a escolaridade obrigatória, dedicaram-se a contribuir para o sustento familiar. Mais certo seria dizer a escolaridade possível: por sorte lá na aldeia até havia uma escola e muita criançada para encher os bancos da sala onde conviviam as quatro classes. Depois de realizado o exame da quarta classe, continuar os estudos só mesmo na longínqua vila, por isso os dois jovens sabiam de antemão que mais estudos só chegariam em concumitância com o serviço militar. Tanto um como o outro tinham famílias numerosas onde a todos cabiam as suas tarefas. Para as irmãs mais espigadotas sobrava o árduo trabalho de casa: arejar, limpar e lavar, além de coser e cozer, enquanto iam tomando conta dos irmãos mais novos numa antecipação do futuro papel de mães.
As ocupações dos rapazes eram todas elas fora de portas, dedicando-se mormente a apascentar gado e recolher lenha. E se muito davam às pernas por aqueles carreiros serranos com os sapatos esburacados, a canseira não era tão digna de monta como à primeira vista poderia parecer: as cabras, a bem dizer, guardavam-se sozinhas, conhecedoras das ervas mais tenras por onde enfileiravam os cascos e faro caprino, seguindo as estraditas de caganitas da véspera. Andar à cata de lenha era porém mais moroso, pois esta nunca era suficiente em casa: a preparação das refeições consumia muitos toros e, além disso, era necessário manter sempre viva a lareira para fazer face ao frio daquelas altitudes. Havia que ter bom olho na recolha dos vários tamanhos possíveis de paus já que, se se limitassem a escolher troncos grossos e compridos, perderiam depois algumas horas a rachar lenha, tarefa, essa sim, passível de pôr um homem a suar em bica.
Para transportar toda essa lenha levavam cada qual o seu burro; à época, os tractores mal tinham começado a cuspir poluição no auxílio que mais tarde emprestariam à agricultura, e naquelas terras pedregosas nem sequer caberiam nas estreitas passagens por onde pastavam as cabras tilintando os seus chocalhos. Uns sons mais fechados e graves, outros mais agudos que correspondiam aos badalos mais pequenos, era esse todo o barulho que interrompia as sestas transgressoras dos dois amigos. Mentira, não era o único: às vezes os burros largavam a zurrar num concerto interminável, instigados por sabe-se lá que misteriosa atrabile. E por mais que os tentassem fazer calar, nada feito: primeiro começava por berrar o do Armando, umas vezes a pé outras andando; quando este muar se calava, logo respondia o do Alfredo no seu cú de meter medo. Ficavam horas naquilo, à vez, até se fartarem, mas nunca em uníssono.
- Quando um burro fala, o outro abaixa as orelhas
Era esse o caso do Armandinho. Haveria de ser o Armandinho até à puberdade, quando se começou a dar ares de Armando por ter precoces os pêlos do buço e a voz atestada de testosterona. Quando por ele chamavam Ó Armando!, logo vinha o ditote: umas vezes a pé, outras andando. O jovem exasperava-se, mas bendizia não lhe terem posto Alfredo como ao melhor amigo, que inevitavelmente tinha um cú de meter medo e, como era muito bem disposto, nunca se zangava com as piadas sobre o seu traseiro, antes baixava as calças expondo-o ao vento e rindo-se muito, desde que não houvesse nenhuma senhora presente.
Os dois amigos eram inseparáveis e, uma vez terminada a escolaridade obrigatória, dedicaram-se a contribuir para o sustento familiar. Mais certo seria dizer a escolaridade possível: por sorte lá na aldeia até havia uma escola e muita criançada para encher os bancos da sala onde conviviam as quatro classes. Depois de realizado o exame da quarta classe, continuar os estudos só mesmo na longínqua vila, por isso os dois jovens sabiam de antemão que mais estudos só chegariam em concumitância com o serviço militar. Tanto um como o outro tinham famílias numerosas onde a todos cabiam as suas tarefas. Para as irmãs mais espigadotas sobrava o árduo trabalho de casa: arejar, limpar e lavar, além de coser e cozer, enquanto iam tomando conta dos irmãos mais novos numa antecipação do futuro papel de mães.
As ocupações dos rapazes eram todas elas fora de portas, dedicando-se mormente a apascentar gado e recolher lenha. E se muito davam às pernas por aqueles carreiros serranos com os sapatos esburacados, a canseira não era tão digna de monta como à primeira vista poderia parecer: as cabras, a bem dizer, guardavam-se sozinhas, conhecedoras das ervas mais tenras por onde enfileiravam os cascos e faro caprino, seguindo as estraditas de caganitas da véspera. Andar à cata de lenha era porém mais moroso, pois esta nunca era suficiente em casa: a preparação das refeições consumia muitos toros e, além disso, era necessário manter sempre viva a lareira para fazer face ao frio daquelas altitudes. Havia que ter bom olho na recolha dos vários tamanhos possíveis de paus já que, se se limitassem a escolher troncos grossos e compridos, perderiam depois algumas horas a rachar lenha, tarefa, essa sim, passível de pôr um homem a suar em bica.
Para transportar toda essa lenha levavam cada qual o seu burro; à época, os tractores mal tinham começado a cuspir poluição no auxílio que mais tarde emprestariam à agricultura, e naquelas terras pedregosas nem sequer caberiam nas estreitas passagens por onde pastavam as cabras tilintando os seus chocalhos. Uns sons mais fechados e graves, outros mais agudos que correspondiam aos badalos mais pequenos, era esse todo o barulho que interrompia as sestas transgressoras dos dois amigos. Mentira, não era o único: às vezes os burros largavam a zurrar num concerto interminável, instigados por sabe-se lá que misteriosa atrabile. E por mais que os tentassem fazer calar, nada feito: primeiro começava por berrar o do Armando, umas vezes a pé outras andando; quando este muar se calava, logo respondia o do Alfredo no seu cú de meter medo. Ficavam horas naquilo, à vez, até se fartarem, mas nunca em uníssono.
- Quando um burro fala, o outro abaixa as orelhas
Quem prova provérbios gosta de aliterações
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
Provérbio provado rimado - CLXXXV
Quem bem faz para si o faz
Quem mal faz é para si também
Que a lei do retorno lhe traz
Esse bem ou o mal porém
Serve para simples e doutos
Isso muito na vida já vi
Por isso não faças aos outros
O que não queres que te façam a ti
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio incendiário
Passou a usar calças mais largas e compridas: tinha engordado bastante com a imobilidade forçada a que a sua vida ficou confinada. De si para si justificava-se com uma suposta depressão, enquanto comia cada vez mais desalmadamente. A isso ajudava o facto de a depressão normalmente se fazer acompanhar de uma mudança nos hábitos alimentares: uns perdem o apetite até à quase inanição, outros empanturram-se com comida altamente calórica e pouco nutritiva. Era este último o seu caso: entregava-se ao sofá a comer porcarias enquanto via porcarias na televisão. Até começou a comprar uma revista dita feminina que pormenorizava as emissões televisivas até ao fecho dos canais. Essa revista trazia também uns quantos artigos a armar ao científico de qualidade duvidosa, priviligiando a pseudo psicologia motivacional de pacotilha a que normalmente se chama auto ajuda. Um dia o Pedro tinha lido "Dez factos que lhe permitem identificar uma depressão" e achou que a doença vinha mesmo a calhar para lhe angariar alguma simpatia em tribunal.
Nessa manhã chegou cabisbaixo à comarca, onde o fizeram aguardar numa pequena antecâmara antes de o introduzirem na sala de audiências. Ali não era preciso esconder a pulseira electrónica; pelo contrário, até era um acessório passível de lhe granjear pena, por isso o Pedro pôde alçar as calças largalhonas.
Uma vez começada a sessão, manteve os olhos baixos enquanto o juíz lia a ocorrência usando termos jurídicos que desconhecia. Trocada por miúdos, a coisa podia ser resumida assim: Pedro Miguel Oliveira dos Santos, 32 anos, solteiro e ex-bombeiro, tinha sido apanhado em flagrante delito quando abandonava o local onde tinha começado a deflagrar um incêndio florestal. Os habitantes da aldeia mais próxima tinham chamado a polícia, que lhe descobrira no porta bagagens várias velas iguaizinhas às que justamente tinham dado origem ao fogo. Isto pôde comprovar-se in situ pois estas não estavam totalmente consumidas, sendo por isso ainda possível controlar o dito incêndio, que teria resultado numa calamidade a avaliar pelo abafado vento suão que soprava nesse dia.
Após ler os factos, o juíz tirou calmamente os óculos e perguntou:
- O que tem a dizer em sua defesa?
Pedro ergueu finalmente os olhos envergonhado, tentando convocar na memória os subterfúgios que jizara, mas encontrou o cérebro vazio e apenas lhe ocorreu responder:
- Onde há fumo há fogo
Nessa manhã chegou cabisbaixo à comarca, onde o fizeram aguardar numa pequena antecâmara antes de o introduzirem na sala de audiências. Ali não era preciso esconder a pulseira electrónica; pelo contrário, até era um acessório passível de lhe granjear pena, por isso o Pedro pôde alçar as calças largalhonas.
Uma vez começada a sessão, manteve os olhos baixos enquanto o juíz lia a ocorrência usando termos jurídicos que desconhecia. Trocada por miúdos, a coisa podia ser resumida assim: Pedro Miguel Oliveira dos Santos, 32 anos, solteiro e ex-bombeiro, tinha sido apanhado em flagrante delito quando abandonava o local onde tinha começado a deflagrar um incêndio florestal. Os habitantes da aldeia mais próxima tinham chamado a polícia, que lhe descobrira no porta bagagens várias velas iguaizinhas às que justamente tinham dado origem ao fogo. Isto pôde comprovar-se in situ pois estas não estavam totalmente consumidas, sendo por isso ainda possível controlar o dito incêndio, que teria resultado numa calamidade a avaliar pelo abafado vento suão que soprava nesse dia.
Após ler os factos, o juíz tirou calmamente os óculos e perguntou:
- O que tem a dizer em sua defesa?
Pedro ergueu finalmente os olhos envergonhado, tentando convocar na memória os subterfúgios que jizara, mas encontrou o cérebro vazio e apenas lhe ocorreu responder:
- Onde há fumo há fogo
Quem prova provérbios gosta de aliterações
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
Provérbio provado rimado - CLXXXIV
Todos os caminhos vão até Roma
Vê lá não fiques na redoma
De só o Vaticano visitar
Com tanta piazza p'ra calcorrear
Da Navona até à Fontana
Onde a multidão se esgana
P'ra tirar a tal fotografia
Da praxe com muita alegria
E dali até ao Coliseu
É um ar que se lhe deu
Encontram-se os gladiadores
São todos barbudos senhores
Hão-de aparecer Pinóquios
De madeira em solilóquios
Com um ar bem engraçado
No seu nariz tão esticado
Depois o gelado ou as pizzas
De um bom par de euros precisas
Se o orçamento não for mau
Não tarda voltas num ciao
Vê lá não fiques na redoma
De só o Vaticano visitar
Com tanta piazza p'ra calcorrear
Da Navona até à Fontana
Onde a multidão se esgana
P'ra tirar a tal fotografia
Da praxe com muita alegria
E dali até ao Coliseu
É um ar que se lhe deu
Encontram-se os gladiadores
São todos barbudos senhores
Hão-de aparecer Pinóquios
De madeira em solilóquios
Com um ar bem engraçado
No seu nariz tão esticado
Depois o gelado ou as pizzas
De um bom par de euros precisas
Se o orçamento não for mau
Não tarda voltas num ciao
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXXIII
Não há pachorra para montras
Andar a apalpar ó senhores
E ver duas ou três lontras
Que suam nos provadores
Vem sempre um vendedor
Perguntando se pode ajudar
Não me chateeie por favor
Já tenho de o rabo arrastar
Se não há bom dinheiro
Ou nem uma ideia precisa
Fico quieta não enfeiro
Não me perco na pesquisa
Para mim centro comercial
Fica sempre para depois
E já me chega no Natal
Pôr o carro à frente dos bois
Pois logo chega a rebaja
Fica tudo pela metade
É ver quem é que agarra
O barato com qualidade
Andar a apalpar ó senhores
E ver duas ou três lontras
Que suam nos provadores
Vem sempre um vendedor
Perguntando se pode ajudar
Não me chateeie por favor
Já tenho de o rabo arrastar
Se não há bom dinheiro
Ou nem uma ideia precisa
Fico quieta não enfeiro
Não me perco na pesquisa
Para mim centro comercial
Fica sempre para depois
E já me chega no Natal
Pôr o carro à frente dos bois
Pois logo chega a rebaja
Fica tudo pela metade
É ver quem é que agarra
O barato com qualidade
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXXII
Tenho uma mancheia de palavras
Para te dizer meu amor
Só que não saem são escravas
Do meu coração sem calor
Ficou gelado ai tão frio
Sem a tua bela presença
Que fiquei num tal desvario
Sem ti faz toda a diferença
E quando agora me procuras
Escondo-me não revelo nada
Só calo bem fundo as juras
Fico-me pela conversa fiada
Para te dizer meu amor
Só que não saem são escravas
Do meu coração sem calor
Ficou gelado ai tão frio
Sem a tua bela presença
Que fiquei num tal desvario
Sem ti faz toda a diferença
E quando agora me procuras
Escondo-me não revelo nada
Só calo bem fundo as juras
Fico-me pela conversa fiada
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado procrastinado
Muitas vezes usamos determinadas frases feitas quando queremos dizer precisamente o contrário.
É o caso da expressão abaixo; o que invariavelmente pensamos quando a dizemos é no fundo: na eventualidade de voltarmos a falar, hás-de ser tu a contactar...
- Vamos falando
É o caso da expressão abaixo; o que invariavelmente pensamos quando a dizemos é no fundo: na eventualidade de voltarmos a falar, hás-de ser tu a contactar...
- Vamos falando
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXXI
Já sabia que não ias ligar
Ainda assim preparei o jantar
E ali na minha cozinha
Fui comê-lo mesmo sozinha
Apesar de ter esse feeling
Penteei-me com uma grinalda
E fiz até mesmo um peeling
Mas acabei por levar a balda
Ainda assim preparei o jantar
E ali na minha cozinha
Fui comê-lo mesmo sozinha
Apesar de ter esse feeling
Penteei-me com uma grinalda
E fiz até mesmo um peeling
Mas acabei por levar a balda
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXX
É acrónimo de polícia chilena
E também a puta da idade
A diferença não é pequena
E aqui fala-se à vontade
Já se sabe que não perdoa
Aparece toda a maleita
E a vida assim se escoa
Mesmo quando é imperfeita
Não há mesmo nada a fazer
O melhor é irmos sorrindo
Pois quando nos tocar morrer
Fingimos que estamos dormindo
E também a puta da idade
A diferença não é pequena
E aqui fala-se à vontade
Já se sabe que não perdoa
Aparece toda a maleita
E a vida assim se escoa
Mesmo quando é imperfeita
Não há mesmo nada a fazer
O melhor é irmos sorrindo
Pois quando nos tocar morrer
Fingimos que estamos dormindo
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXIX
O que não vejo não me aflige
Só se convocar a memória
A minha atenção não exige
Fica só mesmo para a história
Não mais lhe passo revista
Se não me vem parar à mão
Pois diz-se que longe da vista
Também é longe do coração
Só se convocar a memória
A minha atenção não exige
Fica só mesmo para a história
Não mais lhe passo revista
Se não me vem parar à mão
Pois diz-se que longe da vista
Também é longe do coração
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXVIII
Quando ouço o Carlos Gardel
Facilmente me emociono
Vou buscar lenços de papel
A melancolia proporciono
Chega a ser masoquista
A ouvi-lo me dedicar
São tangos não é fadista
Mas fazem na mesma chorar
Era tão colocada a voz
Cantava com tanta expressão
Na garganta fico com nós
E no meu pobre coração
As letras são expressivas
À música não devem nada
De muita emoção permissivas
Até para as pedras da calçada
Eu que sou uma romântica
Às vezes uma parvinha mole
Ponho-me a decorar a semântica
Apesar de serem em espanhol
Houvesse quem me impedisse
Essas pessoas que são rijas
Que a minha avó sempre disse
Quanto mais choras menos mijas
Facilmente me emociono
Vou buscar lenços de papel
A melancolia proporciono
Chega a ser masoquista
A ouvi-lo me dedicar
São tangos não é fadista
Mas fazem na mesma chorar
Era tão colocada a voz
Cantava com tanta expressão
Na garganta fico com nós
E no meu pobre coração
As letras são expressivas
À música não devem nada
De muita emoção permissivas
Até para as pedras da calçada
Eu que sou uma romântica
Às vezes uma parvinha mole
Ponho-me a decorar a semântica
Apesar de serem em espanhol
Houvesse quem me impedisse
Essas pessoas que são rijas
Que a minha avó sempre disse
Quanto mais choras menos mijas
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado nada emocionado
A Felismina criou-se como pôde. Cedo orfã de mãe, era com o pai militar que partilhava os seus dias. O irmão, mais velho dez anos, partira no dia em que a mãe partira, tinha Felismina oito anos. Nunca soube nada dele, a não ser que se chamava José Falcão como o pai, cheirava a tabaco que tresandava e emigrou para França. Vou à procura de uma vida melhor, disse-lhe após o funeral, acontecimento que Felismina aguentou estoicamente sem verter uma lágrima para não decepcionar o pai. Levou dois fatos de Domingo, a Bíblia que era da mãe e um volume de Português Suave sem filtro. Levou também os últimos sorrisos que houve lá por casa.
O José Falcão pai era sisudo e mal humorado. Felismina nunca soube exactamente o que ele fazia: quando tinha de preencher algum formulário com a profissão do pai escrevia simplesmente militar, e se lho perguntavam dizia simplesmente militar, encolhendo os ombros quando indagavam da patente. Ora, alguma coisa há-de ser, capitão, alferes ou soldado raso, minha querida!, disse-lhe uma vez a Dona Maria dos Anjos, a única vizinha que às vezes vinha saber se ela precisava de alguma coisa. A Dona Maria dos Anjos não fazia perguntas: tinha o irritante hábito de lançar exclamações para o ar e ficar à espera de uma reacção. Com a Felismina não tinha sorte nenhuma, ela era tímida e pouco conversadora e despachada só nas lides caseiras, que desempenhava de uma penada para depois ter tempo para mergulhar na leitura.
Lá em casa não podia haver barulho, o pai não gostava de música e raramente ligava a televisão, limitando-se a ficar sentado num cadeirão a seguir ao jantar, olhando o vazio com uma expressão feroz, até que as pálpebras se semicerravam e se ia deitar sem nunca despir a farda. Era então que Felismina se dedicava a ler, esperando que o pai não acordasse para a obrigar a apagar a luz, às vezes nas passagens mais emocionantes. Eram as colegas que lhe forneciam os livros, já que a Dona Maria dos Anjos só coleccionava o que dissesse respeito a Fátima e aos três pastorinhos. Como tinha de ir direitinha para casa após a escola, era esse todo o convívio que tinha: vê lá que livro trazes amanhã para me emprestar! Devolvia-os rapidamente e tão estimados como lhe vinham parar às mãos. Mas de histórias de amor não gostava, achava tudo muito rebuscado e era-lhe difícil crer em tantas emoções de gente que não se sabia controlar em ambientes invulgarmente perfumados. Para ela, romance era um livro com mais de duzentas páginas.
Quando tinha vinte anos e conheceu o Carlos, vinte anos mais velho, aceitou sem expressão o anel e a benção do pai, que nesse dia teve um esgar semelhante a um sorriso e até deixou a Dona Maria dos Anjos trazer um chá e uns bolinhos enquanto exclamava muito afogueada vamos ter casamento!
A Felismina disse aceito sem pestanejar no altar, mas nunca devolveu a Carlos uma frase mais ternurenta ou uma carícia fora das quatro paredes do leito.
Um dia bateram-lhe à porta. Pensou que o marido se tinha esquecido das chaves. Foi abrir e mal reconheceu a figura. Sou o José Falcão, o teu irmão. Sentiu um cheiro familiar e, enxugando uma lágrima, foi buscar-lhe um cinzeiro e dispôs-se então a conversar.
- Quem come fel não pode cuspir mel
O José Falcão pai era sisudo e mal humorado. Felismina nunca soube exactamente o que ele fazia: quando tinha de preencher algum formulário com a profissão do pai escrevia simplesmente militar, e se lho perguntavam dizia simplesmente militar, encolhendo os ombros quando indagavam da patente. Ora, alguma coisa há-de ser, capitão, alferes ou soldado raso, minha querida!, disse-lhe uma vez a Dona Maria dos Anjos, a única vizinha que às vezes vinha saber se ela precisava de alguma coisa. A Dona Maria dos Anjos não fazia perguntas: tinha o irritante hábito de lançar exclamações para o ar e ficar à espera de uma reacção. Com a Felismina não tinha sorte nenhuma, ela era tímida e pouco conversadora e despachada só nas lides caseiras, que desempenhava de uma penada para depois ter tempo para mergulhar na leitura.
Lá em casa não podia haver barulho, o pai não gostava de música e raramente ligava a televisão, limitando-se a ficar sentado num cadeirão a seguir ao jantar, olhando o vazio com uma expressão feroz, até que as pálpebras se semicerravam e se ia deitar sem nunca despir a farda. Era então que Felismina se dedicava a ler, esperando que o pai não acordasse para a obrigar a apagar a luz, às vezes nas passagens mais emocionantes. Eram as colegas que lhe forneciam os livros, já que a Dona Maria dos Anjos só coleccionava o que dissesse respeito a Fátima e aos três pastorinhos. Como tinha de ir direitinha para casa após a escola, era esse todo o convívio que tinha: vê lá que livro trazes amanhã para me emprestar! Devolvia-os rapidamente e tão estimados como lhe vinham parar às mãos. Mas de histórias de amor não gostava, achava tudo muito rebuscado e era-lhe difícil crer em tantas emoções de gente que não se sabia controlar em ambientes invulgarmente perfumados. Para ela, romance era um livro com mais de duzentas páginas.
Quando tinha vinte anos e conheceu o Carlos, vinte anos mais velho, aceitou sem expressão o anel e a benção do pai, que nesse dia teve um esgar semelhante a um sorriso e até deixou a Dona Maria dos Anjos trazer um chá e uns bolinhos enquanto exclamava muito afogueada vamos ter casamento!
A Felismina disse aceito sem pestanejar no altar, mas nunca devolveu a Carlos uma frase mais ternurenta ou uma carícia fora das quatro paredes do leito.
Um dia bateram-lhe à porta. Pensou que o marido se tinha esquecido das chaves. Foi abrir e mal reconheceu a figura. Sou o José Falcão, o teu irmão. Sentiu um cheiro familiar e, enxugando uma lágrima, foi buscar-lhe um cinzeiro e dispôs-se então a conversar.
- Quem come fel não pode cuspir mel
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXVII
Fui crescendo com o passar dos anos
Sobrevivendo a danos e enganos
Somei um rol de desilusões
Por não saber calar emoções
E essa tendência para a emoção
Sempre suplantou a teia da razão
Continuo a não saber disfarçar
Na cara lê-se o que estou a pensar
A melhor característica é ser sincera
Mesmo com quem não é da minha esfera
De mim há que esperar a verdade
Dizem que é minha maior qualidade
Claro que assim granjeio inimigos
Às vezes no meio de antigos amigos
Como se diz por aí temos pena
Eu avisei que não era serena
The best or nothing é o meu lema
Ainda que às vezes me traga problema
Mas o saldo é deveras positivo
Mesmo quando viver é agressivo
Sobrevivendo a danos e enganos
Somei um rol de desilusões
Por não saber calar emoções
E essa tendência para a emoção
Sempre suplantou a teia da razão
Continuo a não saber disfarçar
Na cara lê-se o que estou a pensar
A melhor característica é ser sincera
Mesmo com quem não é da minha esfera
De mim há que esperar a verdade
Dizem que é minha maior qualidade
Claro que assim granjeio inimigos
Às vezes no meio de antigos amigos
Como se diz por aí temos pena
Eu avisei que não era serena
The best or nothing é o meu lema
Ainda que às vezes me traga problema
Mas o saldo é deveras positivo
Mesmo quando viver é agressivo
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXVI
A metade da laranja
É do melhor que se arranja
E depois quando é espremida
Dá mais sabor a esta vida
Quando a laranja tem sumo
Com vontade a consumo
Mas se tiver um caroço
É razão para alvoroço
Quero a tua fruta beber
Vou saciar-me até querer
Vem também a minha adoçar
Hás-de bebê-la até fartar
É do melhor que se arranja
E depois quando é espremida
Dá mais sabor a esta vida
Quando a laranja tem sumo
Com vontade a consumo
Mas se tiver um caroço
É razão para alvoroço
Quero a tua fruta beber
Vou saciar-me até querer
Vem também a minha adoçar
Hás-de bebê-la até fartar
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXV
Afinal escorregar não é cair
É sinal de meio caminho andado
E de as falhas saber assumir
É normal haver-se enganado
Operar tentativa e erro
Recorrer ao método científico
Repetir até ir ao desterro
Consagrar-se num acto prolífico
É sinal de meio caminho andado
E de as falhas saber assumir
É normal haver-se enganado
Operar tentativa e erro
Recorrer ao método científico
Repetir até ir ao desterro
Consagrar-se num acto prolífico
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXIV
Se a coisa é pouco concreta
Podes pôr-lhe no fim etecétera
Assim te poupas no linguajar
Jejuas a seguir ao jantar
É deixar correr o marfim
Esperar até que se dê o sim
Até lá só andas a enrolar
Esperando bem no fim acabar
Podes pôr-lhe no fim etecétera
Assim te poupas no linguajar
Jejuas a seguir ao jantar
É deixar correr o marfim
Esperar até que se dê o sim
Até lá só andas a enrolar
Esperando bem no fim acabar
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado num verso branco - V
Dói mais ao prego ou ao martelo?
Quando fores bigorna, sofre
Quando fores malho, malha
Aguenta-te, faz-te rijo, põe-te fino
Vai buscar forças se preciso for
Àquela lonjura onde Judas perdeu as botas
Poupa os neurónios, não queimes pestanas
Vais precisar de uns e outras
Para as hesitações e interrogações
Em que tropeçarás na selva dos costumes
Onde não se pode ser irremediavelmente humano
Quando te quiserem pendurar num cabide
E te amestrarem como um animal circense
Leva a cintura a jogo sem quebrar o osso
Sem corromper a veia lúcida e firme
Que te transporta de regresso à casa que és tu
Quando fores bigorna, sofre
Quando fores malho, malha
Aguenta-te, faz-te rijo, põe-te fino
Vai buscar forças se preciso for
Àquela lonjura onde Judas perdeu as botas
Poupa os neurónios, não queimes pestanas
Vais precisar de uns e outras
Para as hesitações e interrogações
Em que tropeçarás na selva dos costumes
Onde não se pode ser irremediavelmente humano
Quando te quiserem pendurar num cabide
E te amestrarem como um animal circense
Leva a cintura a jogo sem quebrar o osso
Sem corromper a veia lúcida e firme
Que te transporta de regresso à casa que és tu
Quem prova provérbios gosta de aliterações
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Provérbio provado rimado - CLXXIII
Cada coisa tem seu lugar
Até onde ela não deve estar
E não é a lógica da batata
Mesmo se é difícil não mata
Se é urgente crer então crê
E se necessário ler pois lê
Leva o esforço ao transcendente
Desde que se afigure premente
Bota o máximo naquilo que fazes
Até mesmo sem trunfo de ases
A vida é como a sueca um jogo
Em equipa dá mais desafogo
E se não prestares atenção
Joga o sete que tiveres à mão
Dá aos outros também uma chance
Quando enfim não aspires o lance
Mas nunca emprenhes de ar
Não é ele que te dá de jantar
Só poderás parir um vento
Que não te aquecerá ao relento
Até onde ela não deve estar
E não é a lógica da batata
Mesmo se é difícil não mata
Se é urgente crer então crê
E se necessário ler pois lê
Leva o esforço ao transcendente
Desde que se afigure premente
Bota o máximo naquilo que fazes
Até mesmo sem trunfo de ases
A vida é como a sueca um jogo
Em equipa dá mais desafogo
E se não prestares atenção
Joga o sete que tiveres à mão
Dá aos outros também uma chance
Quando enfim não aspires o lance
Mas nunca emprenhes de ar
Não é ele que te dá de jantar
Só poderás parir um vento
Que não te aquecerá ao relento
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado num verso branco - IV
Minha jóia, anda cá ao ourives
Deixa-me moldar-te rara e preciosa
Dourar-te com frases feitas
Versos previsíveis que outros para ti escreveram
Quando os percorreste e assim modificaste
Até chegares não sabia que as flores andavam
E tu, tão sensual, vais bailando
Mordiscando meu pasto verdejante
És saborosa como um cereal amarelo
Mais fértil que o milho
E para mim te abres feliz
Girassol espreguiçando-se rumo ao sol
À tua volta não há nuvens
És límpida e tua beleza bate-me na cara
Uma manhã branca que me nasce na pele
Despertando um desejo primário de fusão
Deixa-me moldar-te rara e preciosa
Dourar-te com frases feitas
Versos previsíveis que outros para ti escreveram
Quando os percorreste e assim modificaste
Até chegares não sabia que as flores andavam
E tu, tão sensual, vais bailando
Mordiscando meu pasto verdejante
És saborosa como um cereal amarelo
Mais fértil que o milho
E para mim te abres feliz
Girassol espreguiçando-se rumo ao sol
À tua volta não há nuvens
És límpida e tua beleza bate-me na cara
Uma manhã branca que me nasce na pele
Despertando um desejo primário de fusão
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXII
Faço versos de pé quebrado
Imprudentes ao quadrado
De má métrica e fraco estilo
Com pensamentos que destilo
São rimas emparelhadas
Quando muito até cruzadas
Não fazem grande sentido
O seu rumo é indefinido
Mas dão-me tanto prazer
Que suplantam o meu querer
Surgem assim sem aviso
Neste constante improviso
Como beber um copo d'água
Num atropelo de frágua
Tenho esta necessidade
Toda feita d'assiduidade
E até um dia me fartar
Versos vos hei-de ofertar
Nesta fria tarde de chuva
Assentam que nem uma luva
Imprudentes ao quadrado
De má métrica e fraco estilo
Com pensamentos que destilo
São rimas emparelhadas
Quando muito até cruzadas
Não fazem grande sentido
O seu rumo é indefinido
Mas dão-me tanto prazer
Que suplantam o meu querer
Surgem assim sem aviso
Neste constante improviso
Como beber um copo d'água
Num atropelo de frágua
Tenho esta necessidade
Toda feita d'assiduidade
E até um dia me fartar
Versos vos hei-de ofertar
Nesta fria tarde de chuva
Assentam que nem uma luva
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXXI
P'ra viver com resistência
Não uses de consistência
Deixa-te levar pela arte
De ser livre em qualquer parte
É dar corda aos sapatos
E não ter receio dos actos
Que mais se leva da vida
Se for espremida e sentida
Renascer a cada dia
Finar-se na melodia
Dum adeus reconvertido
Numa aurora com sentido
Liberdade não tem preço
É cuidá-la com apreço
Não seguir a carneirada
Na sua prosa parada
Dar asas às ilusões
A soar nos carrilhões
E cantar de peito aberto
Esse viver insurrecto
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado -CLXX
É melhor a desilusão
A ter um coração de aço
Beber a um trago a paixão
Cuspi-la como bagaço
Como uma indigestão
Quando algo nos cai mal
É vomitar a paixão
E seguir vida normal
A ter um coração de aço
Beber a um trago a paixão
Cuspi-la como bagaço
Como uma indigestão
Quando algo nos cai mal
É vomitar a paixão
E seguir vida normal
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXIX
Tanto ovos como juras
Foram feitos p'ra quebrar
Como atalho nas lonjuras
Que se percorre devagar
Tu és o que não se cansa
És quem decide o caminho
O que de longe alcança
Se ter enganado sozinho
És quem vê o céu na água
Peixes pendurados nos galhos
Sonhas e teu sonho é magóa
Teus erros são teus trabalhos
Prometes chegar a uma quarta
Mas tens um pacto com as quintas
E o mundo gira que se farta
Por mais medo que tu sintas
Hesitas entre o sim e o não
E tentas um vão esquecimento
Mas duas coisas diferentes são
As que te lixam o momento
Foram feitos p'ra quebrar
Como atalho nas lonjuras
Que se percorre devagar
Tu és o que não se cansa
És quem decide o caminho
O que de longe alcança
Se ter enganado sozinho
És quem vê o céu na água
Peixes pendurados nos galhos
Sonhas e teu sonho é magóa
Teus erros são teus trabalhos
Prometes chegar a uma quarta
Mas tens um pacto com as quintas
E o mundo gira que se farta
Por mais medo que tu sintas
Hesitas entre o sim e o não
E tentas um vão esquecimento
Mas duas coisas diferentes são
As que te lixam o momento
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXVIII
A picareta desbravar caminhos
Ou a escopros e martelos
Não se importar com burburinhos
Que tecem nas nuvens castelos
Assumir convicções e desejos
Não calar na boca segredos
Nem se abater com gracejos
Que despontam na alma os medos
Tudo mastigar com vontade
Sem temer mau colesterol
E não saber da missa a metade
Quando se tapar c' o lençol
Ou a escopros e martelos
Não se importar com burburinhos
Que tecem nas nuvens castelos
Assumir convicções e desejos
Não calar na boca segredos
Nem se abater com gracejos
Que despontam na alma os medos
Tudo mastigar com vontade
Sem temer mau colesterol
E não saber da missa a metade
Quando se tapar c' o lençol
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado num verso branco - III
Vem comigo embalar a noite:
Não é ela uma criança?
Tomemo-la no colo cantando uma melodia
De ninar, até que adormeça de mansinho
Em nossos braços que estarão quentes
E lânguidos das promessas que só revelaremos
Quando despertar a manhã
Não é ela uma criança?
Tomemo-la no colo cantando uma melodia
De ninar, até que adormeça de mansinho
Em nossos braços que estarão quentes
E lânguidos das promessas que só revelaremos
Quando despertar a manhã
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXVII
Quando lido com gente mula
Não consigo evitar fico fula
Já que a vã agressividade
Me põe em grande ansiedade
Sobe-me logo a temperatura
E depois já ninguém me atura
Tenho de contar até dez
Esquecer tamanha estupidez
Não consigo evitar fico fula
Já que a vã agressividade
Me põe em grande ansiedade
Sobe-me logo a temperatura
E depois já ninguém me atura
Tenho de contar até dez
Esquecer tamanha estupidez
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXVI
Há gente desenxabida
Extremamente antipática
Também muito convencida
Algumas vezes apática
Pior quando é intriguista
Ou então mexeriqueira
Uma ferrenha benfiquista
Comodista e interesseira
A opinar metediça
A dar cabo do canastro
Como areia movediça
E na TV o emplastro
Gostava era de saber
Por insatisfeita trocar
Poder fazer desaparecer
Se o talão apresentar
Extremamente antipática
Também muito convencida
Algumas vezes apática
Pior quando é intriguista
Ou então mexeriqueira
Uma ferrenha benfiquista
Comodista e interesseira
A opinar metediça
A dar cabo do canastro
Como areia movediça
E na TV o emplastro
Gostava era de saber
Por insatisfeita trocar
Poder fazer desaparecer
Se o talão apresentar
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXV
Rimar é uma obsessão
Não exige concentração
Agora entendo os poetas
E suas ideias incompletas
Basta-me caneta e papel
Ou mesmo só o telefone
Que logo surgem a granel
Rimas sem conta nem nome
Nem é preciso ter tema
Para me pôr a escrevinhar
Aparece lesto um poema
Que não é de se aproveitar
Tornou-se um hábito forte
Que toma conta de mim
Agora é a minha sorte
Ponho-me a rimar assim
Não exige concentração
Agora entendo os poetas
E suas ideias incompletas
Basta-me caneta e papel
Ou mesmo só o telefone
Que logo surgem a granel
Rimas sem conta nem nome
Nem é preciso ter tema
Para me pôr a escrevinhar
Aparece lesto um poema
Que não é de se aproveitar
Tornou-se um hábito forte
Que toma conta de mim
Agora é a minha sorte
Ponho-me a rimar assim
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXIV
Detesto o tipo de escumalha
Que age como canalha
É abjecto o ladrão
Que engole o seu quinhão
Mas usa fato e gravata
E por doutor se trata
No ombro leva o portátil
Com um ficheiro volátil
Dá erros de português
Nem percebe que os fez
É um imenso badameco
Patudo e muito marreco
Porta-se como um estafermo
Mais valia se fora enfermo
E tomasse um laxante
P'ra sair assim de rompante
Que age como canalha
É abjecto o ladrão
Que engole o seu quinhão
Mas usa fato e gravata
E por doutor se trata
No ombro leva o portátil
Com um ficheiro volátil
Dá erros de português
Nem percebe que os fez
É um imenso badameco
Patudo e muito marreco
Porta-se como um estafermo
Mais valia se fora enfermo
E tomasse um laxante
P'ra sair assim de rompante
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXIII
Atirar o barro à parede
É de fazer-se se há sede
De uma reacção provocar
E um desejo inspirar
A manifestação da vontade
Proclamada na realidade
Deve ser tida em conta
Se a ânsia é coisa de monta
De falar não há que ter medo
Não é suposto guardar segredo
À partida o não é garantido
Mas pode um acto ser prometido
É de fazer-se se há sede
De uma reacção provocar
E um desejo inspirar
A manifestação da vontade
Proclamada na realidade
Deve ser tida em conta
Se a ânsia é coisa de monta
De falar não há que ter medo
Não é suposto guardar segredo
À partida o não é garantido
Mas pode um acto ser prometido
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio familiar - II
Esqueço-me sempre que tem um nome; quando tenho de dizer que se chama Teresa é como se acabasse de descobrir que é uma pessoa de carne e osso, com cinco sentidos, e não um ser alado com o sexto hiper desenvolvido, essa intuição que me lê quase sem olhar. Esqueço-me que já era uma pessoa antes de mim, que um dia foi criança, fez birras e esfolou os joelhos, que cresceu e teve anseios, enganou-se e retrocedeu como qualquer mortal. É como se não lhe reconhecesse uma existência anterior a ter feito o favor de me parir; o nome dela é simplesmente mãe.
Hoje faz 71 anos. Parabéns, Teresa
- Mãe há só uma
Hoje faz 71 anos. Parabéns, Teresa
- Mãe há só uma
Quem prova provérbios gosta de aliterações
domingo, 19 de novembro de 2017
Provérbio provado rimado - CLXII
Se viesses ver-me à tardinha
Como disse a Florbela Espanca
Íamos p'rá santa terrinha
Púnhamos na porta uma tranca
E por todo o fim de semana
Havíamos de nos amar
De uma forma desumana
Não penses que estou a brincar
Como disse a Florbela Espanca
Íamos p'rá santa terrinha
Púnhamos na porta uma tranca
E por todo o fim de semana
Havíamos de nos amar
De uma forma desumana
Não penses que estou a brincar
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLXI
Andas pendurada em cabides
Rodeada de gente manhosa
Que se finge muito pesarosa
Triste é mas disso não duvides
Já lá vem aquela lambisgóia
Ainda por cima é marreta
Tudo o que diz é uma treta
Resultado da sua paranóia
Cada dia é mais uma perda
De confiança na raça humana
Continua por toda a semana
A falsidade é uma grande merda
Rodeada de gente manhosa
Que se finge muito pesarosa
Triste é mas disso não duvides
Já lá vem aquela lambisgóia
Ainda por cima é marreta
Tudo o que diz é uma treta
Resultado da sua paranóia
Cada dia é mais uma perda
De confiança na raça humana
Continua por toda a semana
A falsidade é uma grande merda
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado -CLX
Há quem diga todo ufano
Ter limpinha a consciência
Mas esse é grande engano
Percebê-lo não é grande ciência
O que tem é fraca memória
Também falta de reflexão
Pois p'ra cada erro uma história
Que exige total atenção
É precisa a interrogação
Quando se chega à almofada
Pôr sempre tudo em questão
À partida a coisa é errada
Só assim consegue progredir
Quem muito se questionou
Não se pode logo assumir
Que a dúvida se enganou
Isto se calhar é vontade
De pensar um tanto demais
É defeito que vem com a idade
Não se ter certezas finais
Ter limpinha a consciência
Mas esse é grande engano
Percebê-lo não é grande ciência
O que tem é fraca memória
Também falta de reflexão
Pois p'ra cada erro uma história
Que exige total atenção
É precisa a interrogação
Quando se chega à almofada
Pôr sempre tudo em questão
À partida a coisa é errada
Só assim consegue progredir
Quem muito se questionou
Não se pode logo assumir
Que a dúvida se enganou
Isto se calhar é vontade
De pensar um tanto demais
É defeito que vem com a idade
Não se ter certezas finais
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLIX
Se me ataca gente ressabiada
Tem azar daqui não leva nada
Pois resguardo-me na sinceridade
Na certeza que disse a verdade
Eu sei bem com que linhas me coso
Aguente-se para quem é penoso
Já tenho problemas que chegue
Que vá c'uma mula que o carregue
Tem azar daqui não leva nada
Pois resguardo-me na sinceridade
Na certeza que disse a verdade
Eu sei bem com que linhas me coso
Aguente-se para quem é penoso
Já tenho problemas que chegue
Que vá c'uma mula que o carregue
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado num verso branco - II
Amor num tempo conjuntivo
Vivamos um amor clandestino
Protegendo os sobressaltos do coração
Escapando dum lápis azul sorrateiro e engenhoso
Não façamos juras nem declarações de intenções
Não tenhamos a tentação de imprimir folhetos
Cantando o nosso amor sem lágrimas
Que distribuiríamos às escondidas da censura
Assobiando para o lado e passando despercebidos
Cada um em seu passeio olhando montras sem as ver
Não desejando consumir nada mais que o outro
Façamos silêncio pelas ruas
Longe de ameaças de manifestação
Amemo-nos debaixo de telha
Na urgência de quem esconde a nudez de emoções intensas
E depois inflijamo-nos a tortura do sono num abraço infinito
Não cerrando as pálpebras a esse olhar aquático e despoluído
De manhã façamos planos de partida para o exílio
Liguemos o rádio e escutemos os amanhãs que cantam
Então assoberbados por esse minuto quieto de assombro
Afugentemos os últimos receios
E escolhamos as flores da nossa revolução
Vivamos um amor clandestino
Protegendo os sobressaltos do coração
Escapando dum lápis azul sorrateiro e engenhoso
Não façamos juras nem declarações de intenções
Não tenhamos a tentação de imprimir folhetos
Cantando o nosso amor sem lágrimas
Que distribuiríamos às escondidas da censura
Assobiando para o lado e passando despercebidos
Cada um em seu passeio olhando montras sem as ver
Não desejando consumir nada mais que o outro
Façamos silêncio pelas ruas
Longe de ameaças de manifestação
Amemo-nos debaixo de telha
Na urgência de quem esconde a nudez de emoções intensas
E depois inflijamo-nos a tortura do sono num abraço infinito
Não cerrando as pálpebras a esse olhar aquático e despoluído
De manhã façamos planos de partida para o exílio
Liguemos o rádio e escutemos os amanhãs que cantam
Então assoberbados por esse minuto quieto de assombro
Afugentemos os últimos receios
E escolhamos as flores da nossa revolução
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado num verso branco - I
Vice-versando
Às vezes o ouvido anda à frente da memória
E caminhando pelas ruas povoadas de gente
Ouve-se uma canção que ainda não foi inventada
Outras vezes há momentos ao contrário
Em que rumando a um destino incerto
Se recordam juras de amor nunca pronunciadas
Deve ser a isto que chamam sonhar acordado
Ou será acordar ainda sonhando?
Às vezes o ouvido anda à frente da memória
E caminhando pelas ruas povoadas de gente
Ouve-se uma canção que ainda não foi inventada
Outras vezes há momentos ao contrário
Em que rumando a um destino incerto
Se recordam juras de amor nunca pronunciadas
Deve ser a isto que chamam sonhar acordado
Ou será acordar ainda sonhando?
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio caridoso
Não aprecio a caridade exibicionista que alardeia a sua bondade ao microfone e faz pose para a fotografia. Acho uma atitude afectada e pouco modesta: quem quer realmente fazer algo pelos outros com pequenos gestos não precisa das luzes da ribalta, opera na sombra no acto de dar-se. Os novos ricos compram Ferraris, os bonzinhos vaidosos dão esmolas com condescendência. E ainda por cima são um bocado forretas e gostam de repetir aquele chavão paternalista da cana de pesca em vez do peixe.
- A caridade quer-se muda
- A caridade quer-se muda
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio do segundo mandamento
Quanto entregou as tábuas da lei a Moisés, e se à época já era assim tão omnisciente como dele se conta, Deus já devia estar mesmo a prever esta situação, por isso é que teve o cuidado de colocar logo em segundo lugar o seguinte mandamento: não invocarás o santo nome de Deus em vão. E se não roubarás ou não matarás são susceptíveis de gerar consenso em todas as religiões, esta sugestão divina tem vindo a ser candidamente ignorada desde então, desde os católicos mais fervorosos aos ateus habitantes de países laicos imbuídos duma certa moral judaico cristã. Invocar Deus a torto e a direito (é assim que ele escreve nas linhas dos seus cadernos) faz parte da cultura popular e é um costume adoptado sem grandes interrogações desde as idades mais tenras, permeável a géneros, comum ao campo e à cidade, hábito de poucos ricos, alguns pobres e tantos remediadamente pobres. Ou seja, a coisa é transversal a todas as franjas da sociedade (como está na moda dizer, os que opinam nos ecrãs vão todos ao mesmo barbeiro de certeza). Deus é pai, Deus castiga, que Deus te abençoe, Deus te pague, Deus te ajude, Deus te livre e guarde, Deus isto e aquilo, é interminável. Deve ser complicado distinguir o essencial do acessório assim, até mesmo para uma divindade: deve estar desertinho que chegue a reforma. Gosto especialmente de quando Deus surge no adeus no tão fofinho Até amanhã se Deus quiser. Ao que respondo de bom humor: Deus quer! Dizem que Deus não dorme, pudera!, esta barulheira toda deve ouvir-se lá em cima...
- Deus não dorme
- Deus não dorme
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLVIII
Quando o põem num pedestal
Fica num patamar desigual
É certo e sabido que a queda
Rebola abaixo pela vereda
Por isso não seja snob
Aqui peneiras não há
Pois quem mais alto se sobe
Maior é a queda que dá
Fica num patamar desigual
É certo e sabido que a queda
Rebola abaixo pela vereda
Por isso não seja snob
Aqui peneiras não há
Pois quem mais alto se sobe
Maior é a queda que dá
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLVII
Era médico o Dr Pedro
Um esforçado cirurgião
A operação era um degredo
Tremia-lhe muito a mão
Empunhava o bisturi
Para cortar finamente
Mas de facto nunca vi
Contou-mo o seu assistente
Quando tinha de suturar
Pedia ajuda à enfermeira
Não fosse ele se enganar
E coser de qualquer maneira
Lembrava-se da faculdade
Com um especial carinho
Dos colegas tinha saudade
Dos professores nem um pouquinho
Recordava o mau momento
Das aulas de anatomia
Quando viu que o seu sustento
Da profissão não se faria
Puseram-lhe um corpo à frente
Que lhe mandaram dissecar
Ele atacou-o com um pente
E pôs-se a tremelicar
Mas apesar dos pesares
Gostava muito das pessoas
E nos seus muitos vagares
Atendi-as se estivessem boas
Pior era quando os doentes
Traziam alguma maleita
Ficavam logo impacientes
Se lhes dizia é bem feita
Um dia um deles finou-se
Com a sua falta de jeito
E a confusão instalou-se
Foi dispensado a preceito
Deixou triste o hospital
Com os ombros encolhidos
E depois como é normal
Perdeu ali mesmo os sentidos
E foi um tal alvoroço
Que não o deixaram sozinho
Pois fracturou até osso
Não pôde sair de fininho
Peço já aqui perdão
Por ser a rima tão extensa
Queiram saber de antemão
Resumir não me é pertença
Um esforçado cirurgião
A operação era um degredo
Tremia-lhe muito a mão
Empunhava o bisturi
Para cortar finamente
Mas de facto nunca vi
Contou-mo o seu assistente
Quando tinha de suturar
Pedia ajuda à enfermeira
Não fosse ele se enganar
E coser de qualquer maneira
Lembrava-se da faculdade
Com um especial carinho
Dos colegas tinha saudade
Dos professores nem um pouquinho
Recordava o mau momento
Das aulas de anatomia
Quando viu que o seu sustento
Da profissão não se faria
Puseram-lhe um corpo à frente
Que lhe mandaram dissecar
Ele atacou-o com um pente
E pôs-se a tremelicar
Mas apesar dos pesares
Gostava muito das pessoas
E nos seus muitos vagares
Atendi-as se estivessem boas
Pior era quando os doentes
Traziam alguma maleita
Ficavam logo impacientes
Se lhes dizia é bem feita
Um dia um deles finou-se
Com a sua falta de jeito
E a confusão instalou-se
Foi dispensado a preceito
Deixou triste o hospital
Com os ombros encolhidos
E depois como é normal
Perdeu ali mesmo os sentidos
E foi um tal alvoroço
Que não o deixaram sozinho
Pois fracturou até osso
Não pôde sair de fininho
Peço já aqui perdão
Por ser a rima tão extensa
Queiram saber de antemão
Resumir não me é pertença
Quem prova provérbios gosta de aliterações
sábado, 18 de novembro de 2017
Provérbio provado rimado - CLVI
Sempre que gostes a cem
Demonstra só a cinquenta
Lembra-te de que não convém
E o visado nem comenta
Por vezes é demasiado
Se te pões a extrapolar
E esse mesmo visado
Não te chega a contemplar
Não esperes retribuição
Que quase ninguém embarca
E amansa a tua emoção
Não dês murro em ponta de faca
Demonstra só a cinquenta
Lembra-te de que não convém
E o visado nem comenta
Por vezes é demasiado
Se te pões a extrapolar
E esse mesmo visado
Não te chega a contemplar
Não esperes retribuição
Que quase ninguém embarca
E amansa a tua emoção
Não dês murro em ponta de faca
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLV
Amores perfeitos e às cores
Só existem mesmo as flores
Do sorriso da mulher nasceram
E por isso não pereceram
Só existem mesmo as flores
Do sorriso da mulher nasceram
E por isso não pereceram
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLIV
Alternativa com pouca razão
É a que deixa só uma opção
Quando não há condomínio
Uma simples palhota é fascínio
Do amor e uma cabana
Um belo convívio emana
Então se for junto à praia
Não merece uma vaia
Ali entre os canaviais
Podem chegar a ser pais
E produzir filharada
Ter uma família engraçada
É a que deixa só uma opção
Quando não há condomínio
Uma simples palhota é fascínio
Do amor e uma cabana
Um belo convívio emana
Então se for junto à praia
Não merece uma vaia
Ali entre os canaviais
Podem chegar a ser pais
E produzir filharada
Ter uma família engraçada
Quem prova provérbios gosta de aliterações
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
Provérbio provado rimado - CLIII
Já aqui falei do Tiago
Um passional predador
E foi num dia aziago
Que conheci esse senhor
Claro que dar-lhe tal título
É mera força de expressão
Pois foi encerrado o capítulo
Isso nem se põe em questão
Eis que voltou à carga
E recomeçou a rodear
Mas a experiência amarga
Só me faz procrastinar
Que siga o seu caminho
E que me largue a labita
Ele foi forreta no carinho
Na curta relação maldita
Só me traz más recordações
Pingava o amor a metro
E desgastou-me as emoções
Nem o quero ver vade retro
Um passional predador
E foi num dia aziago
Que conheci esse senhor
Claro que dar-lhe tal título
É mera força de expressão
Pois foi encerrado o capítulo
Isso nem se põe em questão
Eis que voltou à carga
E recomeçou a rodear
Mas a experiência amarga
Só me faz procrastinar
Que siga o seu caminho
E que me largue a labita
Ele foi forreta no carinho
Na curta relação maldita
Só me traz más recordações
Pingava o amor a metro
E desgastou-me as emoções
Nem o quero ver vade retro
Quem prova provérbios gosta de aliterações
Provérbio provado rimado - CLII
Quem por aqui se passeia
Abusa de andar à boleia
Qual empresa de camionagem
Assim responde à mensagem
E faz um gesto de fixe
Quase parece fétiche
Ou então põe-se a acenar
Não quer a língua dobrar
Minha gente não custa nada
Escolher palavra cuidada
Para ter conversas sanas
Não é preciso queimar as pestanas
Abusa de andar à boleia
Qual empresa de camionagem
Assim responde à mensagem
E faz um gesto de fixe
Quase parece fétiche
Ou então põe-se a acenar
Não quer a língua dobrar
Minha gente não custa nada
Escolher palavra cuidada
Para ter conversas sanas
Não é preciso queimar as pestanas
Quem prova provérbios gosta de aliterações
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