Provérbios Provados noutras casas:

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Provérbio provado não almoçado

O Sérgio gostava de palavras compridas, tendo uma predilecção pelas acentuações tónicas mais difíceis de pronunciar. Por isso, ficou visivelmente agradado quando conheceu o casal Nunes: nunca se havia deparado com duas pessoas tão esdrúxulas.
O Henrique Nunes era colega do Sérgio e um hipocondríaco de primeiríssima água, desde que não fosse da torneira porque lhe provocava diarreia, muito ácida por causa da colite ulcerosa ou demasiado alcalina pois despoletava-lhe urticária colinérgica. Sabia um sem número de nomes de doenças com nomes complicados, fazendo as delícias do Sérgio que se pelava por dois dedos de conversa com ele. Só que o Henrique nunca se podia demorar após o trabalho: ansiava por ir direitinho para casa ter com a mulher. O Sérgio não percebia bem quem é que controlava quem: se seria o Henrique demasiado ciumento, se seria a mulher dele, a Efigénia, que por sua vez lhe media os passos.
Percebeu então que não aprofundaria a questão, já que o Henrique recebeu nessa altura um presente envenenado do patrão: uma promoção irrecusável que, no entanto, o obrigaria a emigrar. Não havia muito a fazer senão aceitar: a idade que tinha e a sua inexperiência noutra área que não a sua empurrá-lo-iam para o desemprego de longa duração. Antes de partir, o Henrique teve um ameaço de enfarte - que se verificou ser apenas um chilique seguido de um desmaio teatral - que não foi o suficiente para comover nem demover o patrão; despediu-se dos colegas um por um e quando chegou a vez do Sérgio pediu-lhe que olhasse pela sua Efigénia.
- Sabes, Sérgio, é só galifões lá do trabalho dela sempre de roda... De vez em quando passa por lá, amigo, assim disfarçadamente, compreendes?, é que eu já não poderei fazê-lo...
Foi nesse instante que o Sérgio compreendeu que o Henrique padecia da grave doença dos ciúmes e que esta não era imaginária. Mas lá acedeu renitente.
No dia da partida definitiva, Sérgio foi despedir-se ao aeroporto. O que o movia não era tanto a consideração pelo ex-colega, mas sim uma curiosidade por conhecer-lhe a mulher. Ficou decepcionado: a Efigénia não devia muito à beleza, não fazendo jus à tamanha devoção que por ela nutria Henrique. Conquanto até fosse bem feita de corpo, tinha cara de cavalo, uma testa demasiado larga e faltava-lhe um molar. Resolveu então que dispensaria as visitas ao seu serviço, como havia prometido ao marido inquieto.
Porém, na semana seguinte a Efigénia telefonou-lhe: o Henrique havia-se esquecido de entregar umas chaves do escritório, não quereria o Sérgio passar lá em casa e apanhar as ditas? Ele lá foi e apanhou o chaveiro todo, inclusive teve de arrombar algumas fechaduras, passe a fraca metáfora de serralharia. Mas não se pôde demorar, já que a meio do ofício, o telefone dela tocava insistentemente com pedidos de vídeo-chamada do emigrado.
A Efigénia passou a enviar a Sérgio mensagens de forma compulsiva, solicitando encontros rápidos em que, após um sexo sempre excessivo, se perdia em confissões e revelações demasiado íntimas da vida do casal. Que o marido a controlava de forma obsessiva, que a sua vida era um inferno, mas não se podia separar porque o marido a matava ou então matava-se ele com o desgosto do abandono, etc e vira o disco e toca o mesmo. Sérgio fartou-se rápido dela: por mais que o sexo fosse óptimo, aquela carência toda pejada de contradições agastava-o. Henrique não parava, contudo, de lhe telefonar e ele já não sabia o que dizer.
- Desculpa lá, mas o Sr. Mota tem andado maluco: ou saio tarde ou surge alguma coisa de última hora que me impede de passar no serviço da tua mulher...
Face à insistência do ex-colega, que ameaçava ora quebras de tensão ora uma hipertensão nos píncaros, Sérgio começou a vigiar os passos de Efigénia. Nos primeiros dias não viu nada de extraordinário: ela entrava pela porta do serviço de manhã à hora de picar o ponto e pela mesma porta saía quando era hora de regressar a casa. Sérgio estava prestes a desistir, quando encontrou o Nelson, um colega do ginásio, que era ali segurança. 
- Se conheço a Efigénia?, conheço até bem demais, amigo!
O Nelson abriu a boca e contou tudo o que sabia a um Sérgio atónito: que a Efigénia era louquinha por sexo e tinha casos com tudo o que mexia lá no trabalho. Os seguranças e os colegas tinham rodado todos de uma assentada, porque ela era insistente e arranjava estratagemas para os apanhar de surpresa quando eles se escusavam. 
- Então mas ela sai e entra no trabalho a horas e nem sequer vai almoçar fora...
- Ela nunca almoça, onde achas que ela foi arranjar tal figurinha? Aquilo são muitas horinhas de desporto! Temos um piso inferior de estacionamento e é lá, nos carros deste e daquele, que ela passa as horas de almoço. O pior é o danado do marido, sempre desconfiado, sempre a fazer vídeo-chamadas, e ela a arranjar desculpas, mete as colegas ao barulho, diz que está com a Ilda ou com a Mónica mas, olha, ouve o que te digo, aquilo qualquer dia dá merda. Ela diz que ela a mata ou que se mata... Nós até temos um colega que diz que ela tem um problema, diz que a Efigénia é ninfa, ninfa... Diz lá tu que gostas de palavras compridas, deves saber esta!
- Ninfomaníaca.

- Onde se ganha o pão não se come a carne
 

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