O avô era o orgulhoso proprietário de uma nesga de terra estreitinha e comprida que terminava num riacho com caniçais e se chamava várzea. Todos os dias trotávamos em fila atrás dele, pisando-lhe os calos no caminho. Uma vez lá chegadas, brincávamos a fazer bolos de terra, estruturas cujos habitantes eram caracóis, limpávamos o rabo às folhas das videiras quando surgia alguma necessidade mais urgente e soprávamos nas flautas arcaicas que o avô talhava a partir das compridas canas junto ao riacho.
Também ajudávamos na agricultura: os mais de três meses comportavam a apanha de variadíssimas frutas e a várzea, apesar de pequena, tinha pelo menos uma ou duas árvores de cada espécie. Haviam os pêssegos, as maçãs e as pêras - que tinham de se colher com muito cuidado para não partir o caule, sob pena de apodrecerem. Haviam os melões, as nozes que secavam depois no terraço e os figos que comíamos directamente da árvore - o avô ria-se muito enquanto dizia "não vou contigo aos figos" numa alusão à minha altura considerável para a idade. Apanhavam-se também as pinhas quando se soltavam do enorme pinheiro manso e caiam no chão com estrondo e delas sacudiam-se os pinhões que o avô depois partia pacientemente um a um com um martelo muito pequeno e que eu e a minha irmã engolíamos quase sem mastigar.
O clímax de todas as colheitas era a época das vindimas. Davam-nos um balde e uma tesoura pequenita de podar e eram esses uns dias de brincadeira pegada em que atrapalhávamos mais do que ajudávamos e enchíamos a barriga de uvas até não poder mais. Os adultos carregavam pesadíssimos cestos que despejavam nas tinas atreladas aos carros de bois e, uma vez finda a apanha, as uvas eram transportadas para os lagares onde eram esborrachadas pelos pés de miúdos e graúdos no meio de cantorias. Iam-se lavando os cestos das uvas, as barricas aguardavam o mosto e começávamos a ficar tristes: o fim das vindimas significava que as férias estavam a terminar e que logo logo deixaríamos a liberdade do campo e teríamos de regressar à cidade.
- Até ao lavar dos cestos é vindima
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