O seu guarda roupa não variava, nem sequer ao fim de semana; também não dependia das estações do ano. Calças beges, camisa azul clara e blazer azul escuro eram as peças que o Manuel usava invariavelmente, quase como se tivesse a obrigatoriedade de botar fardamento.
Não gostava que lhe trocassem as voltas, por isso agendava os seus compromissos com muita atencedência ao milímetro e era sempre muito pontual, não gostando que o fizessem esperar ou cancelassem os encontros marcados à última hora. Do mesmo modo, reagia muito mal aos imprevistos: greves no comboio, artigos esgotados no supermercado ou a perda de chaves.
O Manuel tomava os seus banhos à noite para ir quentinho para a cama, mesmo no Verão, e usava sempre a mesma marca de sabonete e champô. Tivera ultimamente um problema com a pasta de dentes: deixara de se fabricar e um incrédulo Manuel tivera dificuldade em perdoar a desconsideração, chegando inclusivé a escrever à empresa responsável para que lhe enviasse o stock remanescente.
E no campo amoroso? Está bem de ver que não gostava de saltar de leito em leito e votava uma fidelidade doentia à Graciete, mesmo depois dela o ter preterido pelo actual marido, homem jovial e sem aquelas obcessões todas.
O Manuel fizera questão que ficassem amigos, servindo isto de pretexto para lhe aparecer à saída do trabalho para dar "um alôzinho". A Graciete começou por concordar com esta amizade improvável, já que tinha terminado o namoro um pouco à bruta e sentia-se responsável por o Manuel andar tão cabisbaixo. Mas cedo percebeu que não era boa ideia: ele fizera daqueles encontros um hábito semanal e parecia cada vez mais esperançado em "voltar". Então, resolveu cortar o mal pela raíz pedindo ao marido que passasse a ir buscá-la às sextas para irem às compras. Conhecendo o Manuel como conhecia, e sendo este um animal de hábitos, já sabia que aparecia sempre no mesmo dia. Na sexta feira seguinte, lá apareceu ele à hora costumeira, nem mais um minuto, impecavelmente barbeado e penteado, com as suas calças beges e camisa azul. Mal a tinha avistado, o telefone da Graciete tocava alto e bom som num trinado de pássaros: Olha, Manuel, o Xavier está ali à minha espera na esquina, mal estacionado, tenho de atender e ir ter com ele... E afastou-se numa corridinha. Ele ainda balbuciou: Próxima sexta? Mas ela já não o ouviu. E o Manuel afastou-se, finalmente vencido, jurando a si mesmo nunca mais, nunca mais...
- Cantam os melros, calam-se os pardais
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