Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 30 de junho de 2024

Provérbio provado despejado

Tinhas qualidade, mas não sucesso. Ninguém te lia dentro da bolha. Porque dentro daquela bolha ninguém te lia como querias ser lido. Fingias tanto que isso não tinha importância que rapidamente compreendi que afinal tinha bastante. Uma importância tão desmedida que o bastante na última frase é um eufemismo moderado.


Um escritor solitário é também um pouco carente. Qualquer indivíduo é um pouco assim, quanto mais um escritor solitário para quem a carência é uma roupa interior muito bem escondida por debaixo daquela que se projecta vestir. Uma segunda pele que desdenha da água corrente. Que perdeu o sabor e o olfacto.


Tu precisavas imenso de atenção, de validação, de palmas estridentes. E eu desdobrei-te todo um leque de pistas. Todas muito válidas, nenhuma rua era sem saída. Todas muito inteiras, não te ofereci migalhas em nenhuma ocasião. Depois de as teres assimilado uma a uma, às opções, como quem enfarda torradas às escondidas, começaste a pôr em causa a minha contribuição. 

Preferias atingir o estrelato sozinho. Até hoje não sei dizer porquê: se era mais uma manifestação do teu egoísmo sempre disfarçado de timidez ou se tinhas medo que eu ofuscasse o teu brilho. 


Ser mal agradecido não é não chegar a agradecer: é não saber agradecer. É engraçado como não tiveste uma palavra de gratidão quando os teus textos primavam pela palavra bem escolhida. Tu não escrevias por impulso, demoravas-te vários dias reescrevendo o mesmo texto até o privar de todo o improviso. Talvez por isso não soubesses reagir a quente: as palavras sem filtro pareciam-te imperfeitas. As pessoas que reagiam a quente pareciam-te imperfeitas.


Depois procuraste convencer-te, e convencer a audiência que te dei de bandeja, que eu tinha sido uma espécie de profeta no mau sentido. Que existira toda uma era antes de mim e outra, uma nova época sadia de faces coradas e intenções estudadas, depois de me teres pedido que eu me fosse da tua vida. Como se a fase do durante não tivesse acontecido. A vida é injusta, é certo, ainda para mais quando as almas cometem injustiças que só sabem defender com argumentos literários. 


Sabes, é engraçado, também tive a minha era depois de ti. Que logo no imediato foi muito difícil, havia muitos ecos. Nas tuas tentativas de chamar à atenção, despertavas a minha da pior maneira. Nem nessa altura soubeste eleger as palavras certas: o teu discurso acumulava ódio escondido com o rabo de fora. Mas não consigo perceber porque houve a necessidade de me magoar mais ainda: já não era suficiente teres sido o responsável pelo fim? Teres balançado a bandeira da última volta mesmo em cima da curva da meta?


A raiva tem de ter onde afiar as unhas, senão não há superfícies a salvo. Eu não estava a conseguir fazer a digestão e ia acabar por asfixiar com tamanho e profundo abalo no ânimo. Foi então que coloquei um ponto final na comunicação. As reticências são três pontos intermédios disputando a palavra final. E nestas coisas de relações amorosas há muito quem queira reclamar a última palavra. Como se isso fosse fundamental. Como se isso fosse a acha que transforma a fogueira em cinza.


Esse corte foi uma batalha que travei comigo mesma. Como cortar pela raiz o que não começou mal? Fechar a tampa de vez porque já fede o lixo naquele balde? Mas naquele momento só pensava que seria um descanso não ter mais nenhuma notícia tua. 

Nenhuma, ouviste bem? Mas tu não aguentas, gostas de te fazer notado. Tal como disse, precisas muito de palmas. É a grande diferença entre nós: eu preciso é de colo. 

Arranjas formas de me fazer chegar ecos das tuas conquistas. Teimas em pôr-mas diante dos olhos para me afrontares. Imaginas assim que te vingas de mim. Pobre coitado: armado em escritor célebre, tão ou tão pouco célebre que até ousa fazer crítica literária aos que são melhores do que ele como se durante a própria leitura tivesse sido abençoado com um par de olhos suplentes.

 Talvez por isso se diga que todo o crítico é um escritor fracassado. Mas nem todo o escritor fracassado se transforma num crítico. Principalmente depois de publicar livros em edição de autor numa artificial, porque premeditada, atitude desprendida em relação à máquina editorial. 


És como um laureado no momento em que desce do pódio: só lhe acrescentaram uma medalha, mas ele crê que traz no peito toda uma nação. Não traz, é mentira. Traz apenas uma grande desculpa para a sua vaidade. Toda a vaidade que, até então, não se atrevia a revelar somada à vaidade vindoura que agora se alicerça num círculo de metal. Os símbolos da vitória têm essa característica de lente de aumentar, ao mesmo tempo que têm a secreta intenção de despertar a má inveja. 

És também como um militar com uma patente elevada por oposição ao carácter. É por isso que não sujas as mãos nas batalhas, se preciso for nem reconheces a existência da guerra só para não assumires que há outro lado para lá da barricada. Essa barricada de que te fazes rodear bem precisava de um par de janelas. A tua guerra não é aberta porque desprezas o oponente. Não lhe reconheces suficiente mérito para que possa ser um teu digno adversário. 


É assim que procedes quase sempre: ficas ali de mansinho na sombra, até cheirar a mofo, observando em silêncio. Um silêncio que demora ainda mais nas vezes em que te pronuncias. Tens sempre essa postura grave e aparentemente ajuizada de quem não toma a dianteira e só aprende o que é difícil através das experiências de terceiros. E, no fim do sofrimento alheio, já tens mais um tema para o próximo livro. Só assim é que vives, através das vidas dos outros. As pessoas ou são musas ou nem são sequer pessoas aos teus olhos. 


Claro que estas linhas acima têm a sua quota de especulação. Não por causa da minha queda para a ficção, mas por nunca tirares o jogo da caixa. A tua postura no campo exibe uma inverdade tão sonsa que abre alas ao jogo sujo, qualquer jogo escondido é desde logo sujo ao não se querer mostrar. Quem guarda as tácticas para mais tarde usufruir sozinho das vantagens de tal exercício, devia ser proibido de jogar. Ou, sendo-lhe permitida tal actividade, deveria ser obrigado a um intervalo muito mais longo para que pudesse avaliar as consequências. Quem antevê tácticas desse calibre também consegue antecipar a mágoa que poderá causar a frieza dos seus comportamentos.


Ainda bem que me despedi dos teus Invernos, abençoada seja a natureza! A minha vida tem agora a cor da luz. Não dependo da tua aceitação, não meço a distância da tua mão à minha boca. Agora reivindico cada sílaba.


Não és capaz de imaginar o sem número de provérbios com que já quis terminar este texto. Não és capaz porque, convenhamos, a tua imaginação não é assim tão boa. Porque na realidade o texto é mais visceral do que proverbial. E porque despejei toda a verdade. A verdade na primeira pessoa, entenda-se.



- Quem diz a verdade não merece castigo 

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