Fosse por força da intolerante modernidade sempre com os nervos à flor da pele, fosse por causa do sentido de humor que vai decrescendo com a idade e a quantidade de cordas roídas; fosse como fosse, os seus santos não casavam e a Lígia e o Sérgio mal se podiam ver. Na verdade, era mais a Lígia que não suportava a presença do colega, mas, como a antipatia com antipatia se paga, ele começou a retribuir a carcaça.
Viam-se forçados a conviver, as secretárias lado a lado, durante o terço de vida que o emprego lhes tomava. O trabalho é uma fatalidade, é certo, mas para estes dois esta adversidade enfastiava mais do que o tempo a passar com os seus números circulares.
É engraçado como se detestavam tanto tendo no entanto uma característica comum: ambos precisavam de adulação avulsa na forma de atenção do sexo oposto. Mas essa necessidade de admiração não era tão aleatória como parecia: que viesse, que viesse em barda, mas nunca da secretária ao lado.
Nem se pode dizer que tivessem vivido uma primeira impressão mútua e toscamente agradável, como o são muitas vezes as primeiras miradas antes das decepções rasgarem terreno. Nem os olhos claros do Sérgio, lisos como um lago, impassíveis e de aparentemente impossíveis ricochetes, convenceram a Lígia de que estava na presença de um humano com hipótese de alguma vez lhe vir a agradar.
Talvez toda essa antipatia lhe viesse do nariz. É que o Sérgio cheirava tremendamente mal, parecendo transportar um cesto grande de cebolas por dentro da roupa. O pior é que o próprio Sérgio parecia carecer de olfacto. Ou pior ainda - porque há sempre um pior, principalmente quando o mesmo podia ser pior - o Sérgio gostava do odor a macho que exalava, não tendo noção que incomodava, e muito!, a sua vizinha de secretária.
A Lígia bem abria as janelas de par em par, bem inventava paragens noutros pontos da sala de trabalho para tirar dúvidas, bem dizia para o colega de forma indirecta Hoje está aqui um cheiro que não se aguenta! Era debalde, ele não acusava o toque e aquele cheiro a bode suado não deixava de a incomodar sobremaneira.
Era tal a impressão produzida nos seus órgãos receptores pelas partículas olfactivas que emanavam do corpo do vizinho que, por vezes, no tempo dos sovacos veranis mais quentes, um vómito lhe ameaçava a laringe. O fedor era de tão e tamanha insistência que, ainda o Sérgio não tinha virado a esquina de manhã, já a sua presença se fazia anunciar e, do mesmo modo, perdurava durante largos minutos após ter transportado o corpanzil na direcção da poluição atmosférica de outras paragens.
Desconhecia-se a causa do odor importuno. E lançavam-se hipóteses: que talvez o colega não apreciasse a água corrente ou que, em apreciando, não colocava a roupa suada a lavar e a vestia impregnada de ontens. O que era certo é que deixava rasto, parecendo não se aperceber ou então tolerar a contaminação em redor.
- Cada qual aprecia o cheiro do seu monturo
Sem comentários:
Enviar um comentário