Acabados os anos suados em cima das alíneas do Direito Constitucional e as remelas nos olhos à conta dos vários Códigos que propunham as leis, o Raul ainda teve de estudar mais um par de meses para o exame da Ordem. Nunca pensou, quando em menino jurou que se havia de tornar num advogado a sério, que choraria lágrimas tão amargas durante o curso: toda a aprendizagem trouxera dificuldade e não prazer, como suposera.
Coração ao alto e figas atrás das costas, o Raul obteve uma média que lhe assegurou um patrono dentro da média que lhe pagava um salário mediano. Ao fim de pouco tempo de labor, percebeu que um advogado honesto de pouco servia quando os clientes precisavam era de um advogado desonesto.
O que importava era o sucesso de cada processo, já que a consciência abraçava a almofada mas não punha comida na mesa. Aprendeu a mostrar sempre uma fisionomia cheia de esperança a todos os clientes que lhe caiam no colo, apoiada num eventual contorno da lei. Se havia até leis que sobreviviam das próprias excepções... No meio de mesuras e apertos de mão, o segredo era apresentar-se como a escolha mais acertada para cada caso.
No final das sedes, o juiz acabava por pender para o lado que demonstrava possuir o melhor advogado: o mais pertinente e coerente, mas também o mais incisivo. O advogado que escolheria para si próprio se acaso fosse réu. Que o defenderia até ao limiar da mentira, de tal forma que esta surgia com as mesmas roupas que a verdade envergava. Diz-me quem te defende, dir-te-ei como te safas, assim era na barra do tribunal.
O Raul conseguia engraxar com inteligência tanto os magistrados como os seus inocentes clientes. Inocentes até prova em contrário. E a prova em contrário tinha sempre um centímetro de dúvida por onde puxar.
Como não estava acima da lei, ao fim de alguns anos na profissão, teve o Fisco no seu encalço. A evasão fiscal revelara-se demasiado tentadora e mais ligeira a cada nova tentativa. Mesmo ajuizando por si mesmo que era um acto moralmente reprovável e punível por lei, o Raul não deu parte de fraco e alinhavou um requerimento de recurso.
- Ninguém é bom juiz nem mau advogado em causa própria
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