Provérbios Provados noutras casas:

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Provérbio provado baralhado

Que mais queres que te diga acerca da Virgínia, Paulo? Já te disse que não te metas nisso! Eu já te conheço, pá, vais chegar ao pé dela na pontinha dos pés, cheio de medo de amarfanhar a tua camisa bem engomada, a medir cada palavra com régua e esquadro. A Virgínia gosta de gente espontânea, não de pessoas que pensam mil vezes para não errar. Com ela é sim ou não, Paulo, não há nins!
Já a conheço desde a adolescência - e se a conheço bem! Toda a sua vida foi errática, foi aprendendo às cabeçadas, a pisar em falso constantemente, a cagar-se de alto para quem se ri das suas quedas. A Virgínia não olha para os falhanços como o fim da estrada, vê a rejeição como um sinal de viragem numa nova direcção.
Foi sempre assim em tudo, principalmente nas relações que terminam muitas vezes de forma dramática. Ela não deixa pedra sobre pedra; é daquelas mulheres que põe fogo ao circo e depois não fica quietinha à espera que chegue um bombeiro - como tu, pá, por exemplo gostarias de apagar competente e calmamente o incêndio. Não!, a Virgínia agarra ela mesma na mangueira e ressurge renascida de entre as cinzas, como se nada tivesse ocorrido. Num minuto está de calças rasgadas e cabelo desgrenhado, no instante seguinte aparece de vestido e saltos altos, impecavelmente penteada e maquilhada.
Às vezes, dou por mim a pensar que a Virgínia é mesmo uma personagem dum filme, assim uma coisa meio trágico-cómica, consegues ver? Por isso é que eu te digo - ouve bem o que eu te digo, Paulo! -, ela não é como as outras mulheres que tens conhecido por aí. Vai dar-te cabo da cabeça, destabilizar-te a vidinha toda, pá, como já vi suceder a outros gajos até mais espertos do que tu. É que lá está: ela é mais vivida do que tu, mais inteligente do que tu e os teus amigos todos juntos, a Virgínia é mais homem que muito homem.
Mas que mais te hei-de dizer para tirares dali a ideia, Paulo? Bem sabes que sou muito amigo dela, mas também sou teu e tenho o dever de te avisar...
Uma vez chateei-me a sério com a Virgínia: pediu-me conselhos - coisa invulgar nela -, e pôs-se a falar sozinha, a responder às suas próprias perguntas e depois desse bonito serviço ainda se pôs a questionar sobre a veracidade das respostas, foi um autêntico diálogo de surdos. Claro que não fiquei chateado muito tempo - para quê? -, porque sei que se fosse preciso se esqueceria do umbigo para me ajudar: dar-me-ia o único casaco numa noite de Inverno e a sua última côdea.
A Virgínia é uma pessoa encantadora e ao pé dela nunca há tédio, só óptimas conversas intermináveis. Claro que divaga imenso e é capaz de passar da Primeira Grande Guerra à segunda lei da termodinâmica num piscar de olhos... mas já estou habituado a essas súbitas mudanças no discurso. Ela é muito faladora, extravagante, expansiva e apaixonante. Vai seguramente deixar uma marca na minha vida, lembrar-me-ei sempre dela e daquela sua forma única de levar a existência. Mas como amiga, como uma boa amiga, percebes Paulo?, sabendo que é um poço de defeitos e qualidades e que nunca se sabe o que sai do balde a cada dia.
Pois é, rapaz, estou a dizer-te estas coisas todas, pois estou a topar-te: mortinho por lhe dares a mão de olhos fechados, logo tu que és um medricas do caraças! E escusava de ter estado para aqui a gastar o meu latim, podia simplesmente ter-te dito que a Virgínia

- Não joga com o baralho todo

Sem comentários: