Às quartas feiras, em vez de ir do trabalho directamente para casa, a Fernanda cumpre sempre o mesmo ritual: desloca-se à cidade para a sua consulta semanal de psicoterapia.
Sente que ultimamente tem feito progressos, já que a médica não é muito inquiridora mas faz as perguntas certas, aquelas capazes de a pôr a pensar chegando às conclusões por si mesma.
A vida não tem sido fácil nos últimos anos: o marido de toda a vida quis divorciar-se na mesma altura em que os rapazes saíram de casa e a Fernanda sente-se terrivelmente só. No mês que vem vai fazer sessenta anos, efeméride que mais a faz pensar na solidão.
Nesta quarta feira, rói as unhas enquanto se tenta acomodar no cadeirão poído do consultório. A doutora hoje está mais faladora do que o habitual:
- Que acha da educação que recebeu dos seus pais? Educou os seus filhos da mesma forma?
- Os meus pais sempre foram muito bons para mim. É claro que o meu pai era muito rigoroso comigo: exigia que chegasse cedo a casa e não me deixava ir a festas sem estar acompanhada de alguma pessoa conhecida e de confiança. Sei que isso era para o meu bem, apesar de eu saber distinguir o que era correcto do que não era, eu tinha um bom discernimento. Mas enquanto morei com eles quando era solteira, devia-lhes obediência: era assim que as coisas eram! Os meus irmãos eram mais novos que eu mas tinham muito mais liberdade, como é natural... Os homens não são olhados pelos outros como o são as mulheres: podem chegar de madrugada a casa, ter muitas namoradas e até amantes que tudo é considerado muito normal. Com os meus filhos? Com os meus filhos a situação permaneceu mais ou menos igual: as coisas não mudaram assim tanto! Se tivesse tido filhas, teria cuidado mais delas do que fiz com os rapazes. Acho que as mulheres devem ser recatadas e desconfiarem muito dos homens que é para não serem enganadas.
- Espera de teu filho o mesmo que fizeste a teu pai
segunda-feira, 9 de julho de 2018
Provérbio provado no consultório
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