Ninguém sabia porque é que ultimamente no rosto dele se haviam desenhado aquelas olheiras tão fundas e parecera ter envelhecido dez anos. Só depois do acontecido é que a avó nos contou que ele não pregava olho há coisa de um mês: as noites todas na cama ora para cá ora para lá, vira para a esquerda, vira para a direita, e nem a aurora, que traz sempre uma certa redenção, o deixava abandonar-se a um sono retemperador. Sem dormir e sem conseguir desvendar uma saída para fazer face às dívidas que se acumulavam, também isto a avó nos contou. Contava tudo isto ainda não acreditando, com os olhos marejados, transbordantes, depois de ter recebido os credores, um por um, com toda a dignidade que conseguiu arranjar. Estávamos todos na sala, um silêncio gritante, escutando a avó falar da avidez dos prejudicados, das mil e uma desculpas que pedira em nome dele prometendo devolver o dinheiro até ao último tostão. Eu ouvia a avó também não querendo acreditar, mas o luto carregado dela entrava-me pelos olhos como uma evidência.
- Oh, meu Deus, como vou eu arranjar uma fortuna destas? Mas onde, meu Deus? Já não há nada para vender... Só resta esta casa e a várzea da figueira onde fui encontrar o vosso pai e avô. Ah, Severino, porque foste fazer uma coisa destas? Como foste capaz de me deixar a braços com tantos problemas?
A avó carpia assim, entre soluços, quando entrou a filha da vizinha perguntando se tínhamos com que atar o balde do poço, que tinha desaparecido a antiga... a antiga... E quase imediatamente se calou pois
- Em casa de enforcado não se fala em corda
domingo, 18 de março de 2018
Provérbio provado enforcado
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