«(...) Durante toda a noite, assistimos àquela actividade formigueira de que nos chegavam ecos longínquos de estranhos cânticos, ritmados ao som de tambores. Ao amanhecer, os campos estavam quase limpos de cadáveres e a chusma de mouros parecia mais adelgaçada, não tanto pelas perdas que houvessem sofrido, mas porque, por cada um que ficou, outro teria partido a talas os campos ou a procurar melhor sorte mais além. raras e desconvictas eram as investidas contra as muralhas. Pareciam ter optado por um cerco prolongado, sem que alguém pudesse perceber que vantagem teriam nisso. Pobremente acampados, debaixo de coberturas de pele, continuavam a fazer ressoar os tambores que retumbavam nos ares. Um assomo da brisa trazia-nos, de vez em quando, os seus cantares, em coro. No mais, era um estendido e miserável acampamento de nómadas. Nós cremámos os nossos mortos, com o cerimonial mínimo. À música dolente que ondulava ao longe, respondia a cidade com os gemidos das carpideiras, o toque das flautas cerimoniais, e o lamento dos familiares dos mortos.
Ao segundo dia, pela hora sétima, Calpúrnio veio visitar as muralhas, com alguma pompa, acompanhado por Ápito e outros decênviros. Caminhando a pé, a seu lado, logo atrás dos lictores, Airhan, de armadura de ferro e elmo à cinta, trazia ao ombro alforges com dinheiro que ia distribuindo aos combatentes. Escravos de Calpúrnio já tinham percorrido as ruas, dispensando espórtulas aos familiares de mortos e feridos, de acordo com a categoria social de cada um: mais aos ricos, menos aos menos.
(...) »
In Um deus passeando pela brisa da tarde - Mário de Carvalho
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
Provérbio citado (CARVALHO)
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