O
Fábio decidiu largar o ferro todos os dias no ginásio quando se pôs
de moda a febre das correrias. Preparou convenientemente a troca de
um desporto pelo outro: dirigiu-se a uma mega loja especializada e
dispôs-se a comprar todo um arsenal de equipamento, desde roupa
colorida e ténis novos a gadgets que contam quilómetros, ritmos
cardíacos e só falta fazerem também os alongamentos. Mudou também
o alinhamento musical que o passou a acompanhar sempre, e agora ouvia
músicas alegres e ritmadas, que lhe tornavam o espírito mais leve e
tremendamente positivo.
Todos
os fins de semana havia pequenas maratonas que, por vezes, se
assemelhavam a manifestações de sindicato, dado que a maioria dos
corredores se deixavam apenas caminhar vestidos de igual. Havia
sempre um qualquer motivo solidário e por isso se compravam uns
sacos com t-shirts mal impressas e dois pacotitos de merchandising.
Não
tardou a juntar-se a um grupo de corridas, formado informalmente, que
começava às 6 da manhã percorrendo sempre a mesma rota, e ao qual
se iam juntando mais e mais pessoas pelo caminho. Acordava cedo,
energético, previamente excitado com as ancas, rabos e seios que
abanavam e saltitavam todas as manhãs à sua volta. Sem querer tinha
vindo substituir o Filipe, antigo camarada das manhãs, que estava
encostado com uma hérnia.
Nem
de propósito, nessa manhã o Manuel dirigiu-se-lhe numa conversa
assim:
Sabes
com quem falei ontem? Com o Filipe. Qual Filipe? O da hérnia. Está,
está; está melhor das costas e a organizar a meia maratona deste
fim de semana. Se ele vem? Diz que vem de muletas, se for preciso. É
tudo pela causa, claro! Ah, ok, sim, é um rio que querem betonar.
Ora, porquê!, para fechar o rio, ordenar as margens e porque acho
que cheira mal como o caralho, desculpa lá a linguagem. O movimento
está contra, o Filipe diz que descaracteriza a paisagem, e além
disso quando vierem as chuvas vai haver inundações como o… muitas
inundações, mesmo! Contamos contigo, certo? Mas porquê? Pois, a
família é o mais importante de tudo. Com a família não se pode
falhar.
No
Sábado pela fresquinha, ao Fábio apetecia-lhe ir sozinho à corrida
mas, como não queria melindrar ninguém, evitou os percursos
habituais e introduziu-se, já com a t-shirt laranjão vestida e
disfarçado de boné e óculos escuros, no fim da partida onde iam
chegando os retardatários. Lá no início estava o Filipe, bem
disposto e até disposto a correr pela causa.
Já
tinha começado a corrida quando chegou o Manuel com duas louras
jeitosas de t-shirt laranjão. A Marlene já fazia parte do grupo e
trazia uma amiga nova. O Manuel tirou-lhe as medidas e pôs-se numa
conversa assim:
Querem
começar já a correr? Podemos ir primeiro só a caminhar para
aquecer, e conversar um bocado. Marisa, não é? Quer uma água?,
está fresca… Pronto, a senhora é que sabe. Menina? Combinado
então, tratamo-nos por tu. O rio? Não sei, nunca lá passei, mas
assinei a petição no Livro das Caras, claro! O Filipe é que está
a organizar isso, ele costumava correr connosco, mas a saúde,
sabes?, deve estar por aí sentado a ver a corrida passar. Quem,
Marlene? Ah, o Fábio tinha um almoço de família, não podia vir.
Onde? O Fábio, onde? Olha-me este!, que descaramento, a mentir-me
com quantos dentes tinha na boca, eu arranco-lhe um a esse filho da…
Olhem que as pessoas… Deixem, vamos ignorar e começar mas é a
correr. Veem quem vai a correr lá à frente? Não é que é o maluco
do Filipe? Venham, vamos apanhá-lo!
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Mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo
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