-
Oh, por essa altura já eu era um adolescente – respondeu, sem mais
adiantar de razões e pormenores.
Contou-me
então do dia em que resolveu mudar de nome, uma novíssima
identidade para fugir de justiças novas e chaminés velhas.
-
De repente, nesse momento, parece que passei a ver tudo de um modo
completamente novo. Aí, senti que ia começar de facto a minha
grande viagem. Mas conservei o antigo bilhete português, por se
acaso algum acaso...
-
Foi aí que iniciou as suas travessias por África? E qual era o
plano? - encaminhei a conversa para a história que me interessava.
-
Foi, sim. Eu não tinha nenhum caminho traçado em mente. Parti de
Moçambique para o que era então a Rodésia, hoje Zimbabwe, e daí
para a África do Sul. Depois pela Namíbia, direito a Angola, e
assim resolvi ir subindo a costa atlântica. É engraçado, sabe,
quando estive em Marrocos podia ter regressado ao Portugal natal, mas
decidi continuar a contornar África pelo Mediterrâneo com destino
ao Egipto, pareceu-me mais interessante – riu-se.
-
Sim? - digo, para incentivar a conversa.
-
Oh, pois claro, isso nem se pergunta! Naveguei pelo Mar Vermelho até
ao verde Índico. Foi uma experiência maravilhosa!
-
Viajou sempre sozinho? - tentei dar cabo da ideia do viajante
solitário.
-
Sempre que pude, sim. É que durante estas viagens atravessei uma
época tremenda: presenciei tumultos, convulsões socias, muitas
mortes. Só trago a memória dos longos rios, dos desertos, dos
animais pela savana e das árvores. As árvores por vezes eram
poucas, mas que beleza! A natureza foi a minha melhor companheira. O
resto apaguei tudo.
-
E quando é que se dá o regresso a Moçambique?
-
Fui-me atrasando pela Tanzânia. Tinha algum medo de voltar.
-
Porquê, pode dizer-me? - perguntei, baixando levemente a voz.
-
Tinham passado uns bons anos e muita porcaria por baixo da ponte. Mas
quando cheguei a Maputo e reencontrei aquela cor do sol e aquela cor
do barro, soube que estava em casa.
Disse
esta frase em tom de despedida, mas ainda acrescentou, do outro lado
da linha telefónica, com uma risada esplêndida:
-
Mas, olhe, fui ganhando tiques nas várias Áfricas por onde passei.
Por exemplo, sou de uma pontualidade britânica!
Não,
a entrevista não podia terminar assim... e arrisquei a tirada final.
-
Então, e o nome do senhor é mesmo Amílcar?
-
Isso, menina, nunca poderá saber. É que afinal
-
O mundo dá muita volta e numa delas eu entro
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