Provérbios Provados noutras casas:

domingo, 7 de abril de 2019

Provérbio provado segredado

O André Gracioso vivia rodeado de livros. Devorava-os desde que acordava até se deitar. Romances, policiais, poesia: marchava tudo!, que o André não era esquisito. Como estava desempregado, saía diariamente para esticar as pernas, sempre com um volume debaixo do braço. Os livros eram os seus melhores amigos.
Dito assim, pode pensar-se que o André era pouco gregário mas, pelo contrário, até era uma criatura bastante sociável. A sua reduzida quantidade de amigos não se devia à misantropia ou tiques de exigência, mas sim à sua condição de surdo mudo. Com grande pena do André, não havia muita gente que soubesse a língua gestual; ele sabia ler nos lábios, mas depois as pessoas não conseguiam interpretar a resposta nas suas mãos.
Com o advento das redes sociais e seu recurso à palavra escrita, o André viu o seu círculo de amigos aumentar. Lia e comentava o que escreviam e partilhava publicações a granel. Era muito activo, manifestava opiniões, insurgia-se regularmente e tinha sempre uma palavra a dizer.
Um dia perdeu-se de amores pela Sandrina, uma loura muito alta e pestanuda, que lhe deu mais conversa do que habitualmente faziam as mulheres depois de saberem da sua condição. Foi obrigado a confessar-lha, pois ela enviara-lhe uma mensagem de voz que, mau grado seu, não pudera ouvir nem tão pouco retribuir.
A relação virtual foi evoluindo gradualmente com algumas reservas de parte a parte. Da parte do André Gracioso já conhecemos as razões. Da parte da graciosa Sandrina estamos prestes a descobrir, pois tudo se precipitou numa madrugada de insónia em que a preocupação que tanto a angustiava a não deixava dormir. O André, desempregado como já sabemos, deitava-se bastante tarde e, nessa noite, dispôs-se a fazer-lhe companhia.
- Julgo que já sabes que podes confiar em mim, Sandrina. Conta-me o que te aflige...
O André não estava preparado para tal notícia. Ficou aterrado. A quantidade de livros que lera não lhe abrira suficientemente o espírito. No dia seguinte, todos os contactos do André ficaram a saber que a Sandrina afinal era um homem.

- Confia o teu segredo a um mudo e falará

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