A Esperança cresceu e foi vivendo uma vida normal, recheada de alegrias e tristezas, êxitos e fracassos, vitórias de uma vontade férrea e alguns tropeções no destino, apanhada desprevenida diante de um mundo obcecado pela competição, o ganhar, o ter e o parecer.
A Esperança foi tia de dois mas, profunda sua pena, nunca chegou a casar nem teve filhos. Ficou com a melhor parte, dizia, podia saltar as perguntas mais incómodas e as birras mais chatas dos sobrinhos. Dizia isto com uma gargalhada, e claro que era mentira.
A Esperança viu morrer os pais, pela ordem natural da vida, e a dada altura perdeu subitamente o sobrinho, a vida a brincar às excepções. Viu depois morrer o irmão e em seguida a cunhada. Foi acumulando coisas inúteis, louças, toalhas, livros, fotos antigas, aniversários de familiares que partiram, recordações para ninguém.
A Esperança foi recentemente tia-avó: viu a netinha através dum computador e até podia ouvir a sobrinha falando, com a menina ao colo dormindo, do outro lado do Atlântico, imagine-se!
- A esperança é a última a morrer